segunda-feira, 28 de abril de 2008

NO ZIMBABUÉ ESTÁ A NOSSA LUTA PELA DEMOCRACIA

(in Libertação Social, nº 85, folha volante da FpD, distribuída em todos os portos de Angola)

Um navio chinês, o An Yue Jiang, tenta encostar a um dos portos de Angola para descarregar armamento para o regime facista do Zimbabué. Robert Mugabe, o ditador de Harare, pretende eternizar-se no poder contra a vontade soberana do povo zimbabueano e quer aumentar a sua capacidade repressiva com esse armamento: 3 milhões de bala de AK 47, 1500 roquetes e 3000 morteiros.
Todos nós sabemos que os resultados eleitorais são desfavoráveis ao regime mas este não permite a sua publicação e, em resposta, mandou prender 5 membros do Comissão Nacional de Eleições, matou – da oposição, prendeu – e feriu – cidadãos por se manifestarem contra esta atitude. No interior do próprio regime há dissidências.
O armamento desse barco não chegou ao Zimbabué porque os estivadores do porto de Durban, na África de Sul, liderados pelo Sindicato Sul-Africanos dos Transportes (SATAWA) recusaram-se a descarregar o navio chinês. Estes trabalhadores sul-africanos, como explicou Randall Howard, secretário-geral do SATAWU, não queriam ser cúmplices da ditadura de Mugabe e da repressão criminosa que leva a cabo contra o seu povo, particularmente depois das recentes eleições no país.
Esta atitude dos trabalhadores do porto de Durban foi depois confirmada por um tribunal sul-africano, instado pelo bispo anglicano Ruben Philips. A pressão da sociedade civil também levou as autoridades namibianas, moçambicanas e zambianas a demarcarem-se desta carga maldita que vem para aumentar o sangue em África. Nenhum governo da região aceitou receber o carregamento de armas para o transmitir a ditador de Harare. Pois a violência no país, consoante os dias vão passando, depois do acto eleitoral, continua a crescer, desde fins de Março, tendo sido feridos 500 cidadãos, detidos 400 e morto dez membros da oposição,
O barco está, desde ontem, a caminho dos portos de Angola. O director do Instituto dos Portos, do nosso país, Filomeno Mendonça, diz que ele não tem autorização para aportar nenhum dos nossos portos. Por outro lado, um alto funcionário do Ministério das Relações Exteriores chinês diz que não tendo sido aceite, o barco vai regressar à China.
Muito bem! Desejamos que assim seja. Mas não podemos deixar de estar vigilantes para não permitirmos que essa carga mortífera seja descarregada num dos nossos portos (principais ou secundários) na calada da noite e em operação relâmpago.
Os trabalhadores de todos os portos angolanos, de Cabinda ao Namibe, devem recusar-se a descarregar as 77 toneladas de material bélico destinado a matar os nossos irmãos no Zimbabué. Seria uma vergonha nacional se os cidadãos zimbabueanos fossem massacrados (como o já foram em outras ocasiões) por armas descarregadas pelas mãos de trabalhadores dos portos angolanos.
Não devemos sujar as mãos com o sangue dos nossos irmãos zimbabueanos. A luta pela Democracia no Zimbabué e em Angola é uma só. Vamos seguir o exemplo dos nossos companheiros sul-africanos e moçambicanos que se recusaram a descarregar esse navio da morte. Os trabalhadores dos portos angolanos devem recusar descarregar esse navio se ele aportar um dos nossos portos e devem denunciar imediatamente tão logo saibam da sua chegada, para que a Frente para a Democracia (FpD) possa agir imediatamente.
Vamos ser solidários com a luta dos cidadãos zimbabueanos porque a sua luta pela Democracia é também a nossa luta. É preciso mantermo-nos firmes perante as manobras dos ditadores porque a razão está do nosso lado e os povos livres em África e no Mundo estão com a nossa luta pela Democracia e pela Justiça Social.
As eleições de Setembro de 2008 podem trazer uma mudança da política nacional e podem representar o inicio da transformação estrutural que o país precisa.
Comecemos por apoiar o povo zimbabueano e os militantes da democracia no Zimbabué.
A mudança será possível se TODOS QUISERMOS, fazendo barreira à ditadura em Harare e em Luanda.
Trabalhadores dos portos ajudem a FRENTE PARA A DEMOCRACIA (FpD) a mudar o país, ajudem o MDC a mudar o Zimbabué.
VIVA O POVO HERÓICO DO ZIMBABUÉ
VIVA A DEMOCRACIA EM ÁFRICA

(in Libertação Social, nº 85, folha volante da FpD, distribuída em todos os portos de Angola)

terça-feira, 22 de abril de 2008

XINGUILAR NÃO É RAZÃO (acerca da entrevista de Agualusa)

(artigo de PAULO MULEMBA, publicado no AGORA, nº. 574, 19 de Abril de 2008)

“o nosso professor partiu da “ofensa” de Agualusa para o pecado e, finalmente, fecha o ciclo com a criminalização da opinião, evocando a lei em detrimento do direito inalienável de opinião para pedir julgamento e condenação. Não queremos acreditar que isto seja verdade!”

Nós igualmente, num exercício de cidadania e civilidade, achamo-nos no direito e fundamentalmente na obrigação de participar do debate que se tornou hiperbolizado e com caminhos torpes, transportado para terrenos de má índole, sem que para tal encontrássemos nobres razões.
Queremos reportar-nos ao debate que se gerou em torno da entrevista dada pelo escritor Agualusa ao Jornal Angolense, que ao exprimir numa frase a sua opinião sobre a poesia de Agostinho Neto ( “Neto é um poeta medíocre”), provocou uma onda de mal estar em certos sectores, a ponto de provocar xinguilamentos ou vontades de xinguilar.
Embora tenhamos a nossa opinião, não pretendemos estabelecer juízos de valor sobre a poesia de A. Neto, porque achamos, em nome da simples honestidade intelectual que a referida entrevista, não dá qualquer motivo para esticar uma discussão neste sentido.
O que encontramos de mais grave e quiçá preocupante neste debate, é a transgressão operada pelo professor da UNIA, Dr. João Pinto, no seu artigo “Literatura Identidade e Politica”, publicado no JÁ, a 6/4/08, onde, em forma de introdução, escreve:
“Xingar o Kilamba faz Xinguilar”, “Kidi Kidi, Kididi Kididi”.
O professor começa por esta bonita marcação de identidade cultural (linguística) pese embora o sincretismo da primeira expressão, onde a força da rima clássica, portanto exógena, é conseguida através da apropriação gramatical da conjugação portuguesa. Não é pecado. A interface cultural produz estes empréstimos ou apropriações em todo legitimas de ambas as partes, angolana e portuguesa.
Mas é exactamente por esta primeira afirmação: Xingar o Kilamba faz Xinguilar que queremos começar, na sincera esperança de poder acalmar o xinguilamento do Professor. Elegemos esta expressão porque achamos que é sobre ela que assenta toda a estrutura profunda da reacção do Professor, objectivada no texto.
O nosso Professor começa logo por uma evasão do terreno da apreciação literária para um referencial ético-moral, transformando assim a afirmação do escritor Agualusa, numa ofensa pessoal ( ele Xingou o Kilamba ). Não achamos intelectualmente honesto nem eticamente justo, esta forma de transferir (intencionalmente?), as questões, de um terreno para outro e principalmente quando este outro é muito movediço.
“Kidi Kidi, Kididi Kididi – A Verdade e o Espaço não se confundem”. Podemos até estar, em parte, de acordo com esta interpretação, mas, a Verdade só pode ser concreta, quando inserida num determinado referencial ( lugar, espaço, enquadramento ), se não cuidamos desta relação, podemos transformar injustamente, Tudo, em maldade, ofensa (xingadela), crime, em suma, naquilo que o nosso estado de espírito ou interesse o quiser. Certamente que a verdade não depende muito de nós (nossa vontade), humanos e mortais, ela tem esta relação necessária de temporalidade e “espacialidade”que o próprio Professor mais tarde o reconhece.
Mas continuemos a leitura do texto para percebermos melhor alguns dos problemas (makas) do professor.
Xinguilar. Aqui o professor deriva para o terreno do comportamento psico-afectivo, e embora respeitemos a sua incursão para o mundo da Antropologia, citando Virgílio Coelho, não seria mau de todo, que consultasse a opinião de psicólogos e psiquiatras para aprofundar outra nuance importante que Xinguilar pode encerrar.
È bom e recomendável que qualquer debate, que se pretende sério e profundo, não caia no xinguilamento, sob pena de termos de parar, para refrescar a cabeça dos xinguilantes ou arranjar um colete de forças para impedir que a frequente agitação que acompanha o xinguilamento se converta em autoflagelação, desturição ou mesmo agressão contra outros.
Os Makota quando sentados para discutir as Maka, fazem-no com sublimidade e alto sentido de responsabilidade. Embora não deixe de haver espaço para a emotividade inteligente, há sempre a prevalência da racionalidade.
Passamos a perceber melhor a vontade de xinguilar do Prof. João Pinto, quando escreve que A. Neto é Kilamba, Kituta, Kiximbi transformando-o em divindade aquática. Aqui passa para o terreno da religiosidade e da mística, para continuar a debater o problema. Alguns críticos literários terão abordado a poesia de Neto como tendo mensagem profética, mas certamente, que está muito longe da sua transformação em divindade com poderes sobre-humanos.
Respeitamos inteiramente as crenças do prof. João Pinto, mas achamos que não deve derramá-las sobre todos nós. Aconselhamos também que não vá ao extremo de entrar em xinguilamentos quando tem de enfrentar opiniões menos favoráveis sobre as suas divindades, porque a experiência do último ano tem trazido a luz do dia, várias opiniões e estudos pouco abonatórios para muitos símbolos que existiram no imaginário de boa gente (é só ler os livros que têm saído sobre algumas verdades de Angola). Por outro lado, as posições extremas em defesa de divindades, podem provocar comportamentos pouco desejáveis para a cidade e civilidade, principalmente em plena fase de preparação de eleições.
Mas o professor continua. Numa fase de autentica contradição com ele mesmo, reconhece que pode e deve haver “gostos estéticos diferentes”, que não deve haver “prejuízo da crítica objectiva resultante do pluralismo, liberdade e responsabilidade”. Mas, cuidado! acima de tudo deve haver “respeito, veneração, solenidade”, “temor reverencial” aos heróis e escritores.
O nosso professor, embora reconheça, nesta fase, alguns dos direitos basilares da Democracia e do Estado de Direito, as opiniões dos cidadãos deverão ficar no oculto da reverência divinal, não devendo ser expressas publicamente. Deve haver solidariedade para com os heróis, porque de outra forma passam imediatamente a ser ofensa (xingar), e mais grave ainda, serem ofensas pecaminosas porque atentam contra as divindades.
Ficamos temerosos quando constatamos que o professor quase nos leva a um xinguilamento delirante colectivo, quando chama para este debate alguns dos ditames do colonialismo, retomando o regulamento do imposto do indígena e da qualificação racista que se fazia no período colonial sobre muita gente. Não vamos continuar nesta senda, porque parece-nos que esta deriva passa a não ser muito agradável para o debate.
Para corolário de toda esta dissertação, chegamos ao que seria previsível: o nosso professor partiu da “ofensa” de Agualusa para o pecado e, finalmente, fecha o ciclo com a criminalização da opinião, evocando a lei em detrimento do direito inalienável de opinião para pedir julgamento e condenação. Não queremos acreditar que isto seja verdade!

Sabemos que a FRENTE, a FpD, tem uma proposta de código de conduta social, que serviria de pauta reguladora para a coexistência saudável entre nós. Pedimos que aí seja inscrito o princípio seguinte: “Não vale Xinguilar, quem xinguilar perde a razão”.

(PAULO MULEMBA , Mestre em Estudos Africanos)

quarta-feira, 16 de abril de 2008

ENTREVISTA

Luís do Nascimento sem papas na língua

ANGOLA VIVE UMA FASE DE DESCRENÇA NA PAZ

Seis anos depois da Assinatura do Memorando de Entendimento do Luena, o que corresponde (segundo a Lei Constitucional) a uma legislatura e meia, é tempo de avaliarmos o que foi feito dos grandes objectivos do programa do Governo, a que este evento histórico deu lugar. Luís do Nascimento, secretário geral da FpD – Frente para a Democracia – vai reflectir, nesta entrevista, como está, na sua opinião a decorrer este processo de consolidação da Paz, da promoção da Reconciliação Nacional, do combate a pobreza, da reconstrução das infra-estruturas económicas e sociais, do relançamento da economia nacional, da modernização das instituições do Estado, da abertura dos partidos à sociedade, da democracia local e do futuro prometido que começa “agora”. O entrevistado de hoje é um advogado, emprestado à política, com cordão umbilical ligado a província de Cabinda, logo uma das suas vozes abalizadas.

Folha 8 – Acredita que depois do Memorando de Entendimento do Luena o Governo inaugurou uma maior abertura democrática do que antes da guerra?

Luís do Nascimento,): Uma vez assinado o “Entendimento do Luena”, o Governo arrogante na sua vitória militar, virou as costas ao seu parceiro do Protocolo de Lusaka, a Comunidade internacional, à sociedade civil e esqueceu o seu compromisso público com o País. Passou a implementar o seu próprio programa de restauração da ditadura. A primeira medida foi a de estender a Administração do Estado a todo o país, restaurando a política de partido-Estado e centralizando o poder na pessoa do Presidente da República, chegando ao ponto de subalternizar e, mesmo, substituir a Administração do Estado pelo partido dominante. As sedes municipais do partido da situação foram todas reparadas ou edificadas, com o dinheiro saído dos cofres do Estado, com prioridade em relação aos edifícios da Administração. Em alguns casos, inclusive, a sede do partido único funcionou e funciona ainda como lugar de actividade de alguns órgãos de administração local de Estado, numa verdadeira fusão promíscua das duas estruturas, facto que leva os cidadãos a não distinguir a separação entre elas e a reconhecer o partido dominante como a única autoridade do país e os demais partidos como meros grupos folclóricos ou inimigos do Governo.

Folha 8 – Está a dizer não ter havido impacto nos programas governamentais relativos a Paz e de Reconciliação Nacional, depois do Memorando?

LN: O “Entendimento de Luena”, não obstante ter posto termo à guerra fratricida entre o Governo do partido "da situação" e a Unita, não eliminou a guerra no todo nacional, pois, ela permanece em Cabinda o que mostra que o Governo não foi tão longe quanto deveria ter ido para que houvesse uma paz em todo o território.

Folha 8: - Está a referir-se à instabilidade ainda reinante em Cabinda?
Luís do Nascimento - A tendência do Governo do partido dominante em fazer do “caso Cabinda” um negócio consigo próprio com o beneplácito da Assembleia Nacional tem dado resultados muito contraproducentes. A lógica do partido-Estado foi rejeitada pelos Acordos de Bicesse (1991) que estipulava (1) o fim do monopólio político do partido único (2) a realização prática das liberdades públicas (3) a verdadeira consagração do pluralismo político (4) a autonomia da sociedade civil (5) a efectivação do princípio da separação de poderes e (6) a realização regular de eleições presidenciais, legislativas e autárquicas, mas tal lógica do partido-Estado emerge a cada decisão concreta. E é por isto que os dividendos da paz parcial alcançada está longe de abranger todos aqueles que foram vítimas de conflitos, sendo claro que um grupo minoritário mantém não apenas o controlo do poder político mas igualmente o económico e o social e o poder de eliminar (se necessário fisicamente) todos os opositores aos seus propósitos.

F8 – Acredita que o objectivo do governo é mesmo eliminar a oposição?
LN - Em boa verdade, este grupo pensa ter o país aos seus pés. Por isso, há quase tudo a fazer em matéria de Reconciliação Nacional. Com efeito, as grandes desigualdades e injustiças sociais reinantes no país contendem de uma maneira flagrante com a realização da Reconciliação Nacional, pois, esta é, antes de mais, um processo que visa tornar os cidadãos mais iguais entre si, de modo a sentirem-se parte de um mesmo território e a assumirem uma consciência de Nação. O facto do 15 de Março de 1961 ─ uma sublevação das de maior envergadura da moderna história colonial de África que excedeu pelas suas proporções e repercussão as demais insurreições que naquela década abalaram Angola ─ não ter sido instituído Dia de Feriado Nacional, é a demonstração mais acabada do que afirmamos.

F8 – Que leitura faz da Reconciliação Nacional?
LN - As tarefas de Reconciliação Nacional são particularmente exigentes em Angola porque não respeitam unicamente ao Mpla/Governo e a Unita ou aos inimigos das guerras civis fratricidas (Mpla, Unita, Fnla e Flecs), diz igualmente respeito à Reconciliação a fazer entre o Mpla e todos os grupos que ele reprimiu e tentou liquidar completamente a revolta do Leste, a Revolta Activa, os Comités Amílcar Cabral e o Movimento 27 de Maio, onde terão morrido aproximadamente 60.000 pessoas. E não podemos deixar de falar dos que no Regime da 1.ª República conheceram também as cadeias e torturas dos novos algozes por terem ousado exercer as liberdades de associação e de expressão (OCA, Núcleo José Staline e MUSA) ou a liberdade de crença religiosa (Católicos, Tocoistas e Testemunhas de Jeová).

F 8 ─ Face ao que acaba de dizer, qual a saída?
LN: Para sarar estas feridas, Angola deverá ter a coragem de constituir uma Comissão de Verdade e Reconciliação Nacional. A Reconciliação Nacional ainda tem a ver com o direito de acesso dos partidos políticos à Imprensa, à Rádio e à Televisão estatizadas, bem como com a utilização dos meios de comunicação social do sector público de forma a contribuir para a pacificação dos espíritos no apoio ao processo de convivência e da consolidação do processo democrático.

F8 – Porquê tanta descrença?
LN – Não é descrença, mas realismo! A situação é dramática. No dia 05 de Abril, data convencionada pelos dirigentes do partido “da situação” como seu dia de inicio de pré-campanha eleitoral, os meios de comunicação do sector público, com destaque para a TPA e a RNA, converteram os noticiários em autênticos programas Angola Combatente, ou seja, converteram-se em autênticas caixas de propaganda do partido dominante. E não podemos deixar de temer pelo pior quando o Presidente da República achou mais cómodo passar o Canal 2, da TPA, para a mãos dos filhos, pondo fim ao monopólio do Estado a favor de uma empresa privada, não permitindo, no entanto, a extensão do sinal da Rádio Ecclésia a todo o território nacional, como se “a empresa dos filhos do Presidente” fosse mais idónea que a Igreja Católica, pois esta não pode partilhar com o Estado a informação falada a nível nacional, no entanto, o Canal 2 pode fazê-lo, e internacionalmente ao nível da televisão.

A fome e a pobreza estão a aumentar tal como a corrupção

Folha 8 – Quanto ao problema da pobreza, não se está hoje mais próximo da sua resolução?
Luís do Nascimento - Longe de estarmos a caminhar para a resolução do problema, do principal problema do país que é a pobreza, está configurada uma situação de crise social que cresce cada vez mais, pois a pobreza da maioria perdura enquanto a riqueza de uns poucos floresce. Os angolanos vivem um grande contraste, cheio de desigualdades sociais. Se, por um lado, podemos orgulhar-nos dos grandes incrementos nos rendimentos do petróleo e dos diamantes, por outro lado, a grande maioria continua a viver em condições miseráveis (68% dos angolanos vive abaixo da linha da pobreza). Angola encontra-se entre os países mais desiguais do mundo, onde uma grande maioria vive em impressionante pobreza, ao passo que a escassa minoria vive em luxuosa opulência. Devíamos estar a viver uma oportunidade soberana, sem dúvidas, para erradicar a miséria e as flagrantes desigualdades sociais. Lamentavelmente formas de acumulação indevidas, bem como o crescimento em exponencial da corrupção e da resdistribuição clientelista têm adiado que os recursos públicos sejam aplicados de maneira equitativa, eficaz e transparente. E mais, o poder ditatorial do partido “da situação”, incapaz de promover políticas para resolver a questão social, procura resolvê-la com medidas de polícia e repressão, chegando, inclusivé, a criminalizar a pobreza e a perseguir os pobres quando os poderosos fazem e desfazem e todos os demais têm que se submeter ao silêncio e ou à cooptação para a sobrevivência.

Folha 8 ─ Não concorda ser ambicioso o Plano de Investimento Público do Governo e começar já a dar nas vistas, transformando Angola efectivamente num “canteiro de obras”?
LN: Apesar das obras, de qualidade duvidosa e preços elevadíssimos, decorrentes de imposições do calendário eleitoral e da realização de eventos desportivos, os investimentos nos sectores sociais são quase irrisórios para a grandeza dos problemas dos angolanos. A educação continua a merecer muito pouca atenção e a qualidade é cada vez pior. A formação profissional só está na agenda eleitoralista governativa, assim como as 3.000 (três mil) bolsas de estudo!!! A importação de mão-de-obra parece ser uma solução mais fácil, mas mais cara para a clique de predadores que governa o país. O sistema de saúde é uma miséria, nomeadamente a reprodutiva e infantil, quer preventiva quer curativa. As endemias continuam por controlar e pouco ou nada se tem feito mais visando um efeito de anúncio de que como político sustentada. O abandono do campo em matéria de políticas sérias de desenvolvimento, salvo algumas excepções honrosas, tem tornado impossível o retorno das populações que foram obrigadas a deslocarem-se para as cidades por causa da guerra. Esta situação de impasse tem levado a uma cada vez maior urbanização que está a isolar as comunidades rurais e a resultar numa cada vez maior pressão sobre os serviços urbanos, e como resultado, a maioria das pessoas pobres vivem sem soluções que possam provocar uma mudança nas suas possibilidades de sobrevivência.

F8 ─ Acha que o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, como o mais alto magistrado da Nação, com obrigações constitucionais, nada estar a fazer contra as assimetrias sociais?
LN: O Presidente da República parece olhar o país como um simples território cheio de riquezas a explorar, dando apenas atenção ao “território útil” ao seu projecto pessoal de controlo do poder e de acumulação de riqueza. Seria bom que Angola tivesse um Presidente da República que tivesse a preocupação de integrar os seus interesses e do seu grupo num projecto de desenvolvimento do país, pois se assim fosse, não teríamos projectos para construir prédios na Baia de Luanda ─ num verdadeiro atentado ecológico – não teríamos mais de 180 milhões de investimento público para o fornecimento de água para a urbanização do Talatona, enquanto os demais moradores de Luanda continuam a penar para se aprovisionarem do líquido precioso. Se assim fosse teria havido dinheiro para as linhas de transporte de energia produzida em Capanda e o problema de electricidade de todas as provinciais desta região estaria já resolvido. Se assim fosse o país teria um Plano Estratégico de Desenvolvimento como linha de força do desenvolvimento nacional e um dinamismo político, económico e social que permitiria todos trabalhar para o país trabalhando para si e vice-versa. Se assim fosse não teríamos ausência efectiva ou um fraco funcionamento do Estado de Direito social e este seria capaz de proteger os direitos básicos de cidadania. Se assim fosse a descentralização política do país, através do poder autárquico, previsto na Lei Constitucional de 1992, não teria sido enviada para as calendas gregas e seria implementada e poderia contribuir para abertura do poder, tornando-o mais eficaz, pelo funcionamento democrático, pelo fortalecimento institucional dos órgãos, pela parceria com outros actores sociais e pelo atendimento às populações, que assim estariam mais próximos do poder de decisão.

Folha 8: Mas Luanda não é um verdadeiro “Canteiro de obras”?
LN: “Canteiro de obras” ou chiqueiro de ovas (risos). Mesmo que consideremos Luanda em transformação, como um “estaleiro de obras”, o país continua fundamentalmente na mesma, com fraca qualidade das infra-estruturas económicas, sociais e culturais. O país continua a registar um baixíssimo nível de desenvolvimento humano. Permanece a inexistência de políticas económicas capazes de estimularem a produtividade e a competitividade fora do sector petrolífero. O atraso das relações laborais no sector diamantífero apela a tempos muito recuados em Angola, não sendo exagero falar de situação de semi-escravatura, gangsterismo, aventureirismo e degradação moral e social. Persistem, pois, os desequilíbrios macro-económicos com a permanência do sector petrolífero de “enclave” divorciado do resto da economia. Ainda que as empresas petrolíferas, nomeadamente a Sonangol, invistam, pontualmente, no fraco tecido produtivo industrial ou, na área de serviços, fazem-no como meio de expiação ou como estratégia de acumulação da nomenclatura dirigente. O sector bancário, como todos os sectores estratégicos da economia, está completamente dominado pelo Príncipe que é apresentado como uma liderança forte. Mas esta liderança forte serve apenas para garantir a hegemonia do poder e “a oportunidade de negócios” para o clube da Cidade Alta. E, por isto, o regime insiste na ditadura passando de partido único ao partido dominante.

Folha 8: Mas, não é isto que dizem os governantes e os dirigentes do Mpla. Não será que diz isso por ser da oposição e não ver os aspectos positivos do Governo?
LN: Os comissários de serviço, em abono do Governo, dirão que algumas coisas foram conseguidas ao longo desses seis anos, designadamente, o controlo da inflação e a estabilização da moeda. Estas duas medidas sendo necessárias, não são fins em si mesmo mas tão-somente meios de criar confiança no mercado nacional, tornar o risco país menos elevado e atrair investimentos. As medidas políticas, económicas e sociais que têm a ver com a transparência das contas públicas, com a boa governação, incluindo a necessidade de disciplinar a política de endividamento público, de descentralização administrativa e financeira, de alargamento das liberdades e aproximação dos governantes dos seus eleitores foi completamente preterida a favor do reforço do autoritarismo presidencial. Apesar de tudo, contra todas as dificuldades nós vamos continuar a fazer Frente. Mas nós vamos continuar.

(FOLHA 8, EDIÇÃO N.º 919, SÁBADO, 12 DE ABRIL DE 2008, PÁGINAS 12, 13 E 14)


segunda-feira, 14 de abril de 2008

A FpD E A UNIDADE DA OPOSIÇÃO

“Dizer que a oposição da FpD à bipolarização e à maioria absoluta dificulta a unidade da oposição, é uma afirmação que parte de duas ideias que nos parecem
equivocadas”

“A FpD não quer juntar-se aos “fortes”, quer dar voz aos “fracos”. A FpD não quer perpetuar o “país de compromissos”, próprio do “porreirismo” nacional, quer um país de responsabilidade e progresso social”.

(artigo de Nelson Pestana “Bonavena”, publicado no Agora, 12 de Abril de 2008)

A propósito do nosso texto sobre a oportunidade de uma clarificação de posições por altura das eleições de 2008, escreveu-se que o facto da FpD opor-se a bipolarização (e à maioria absoluta) dificulta a unidade da oposição. Nada é mais falso. É claro que uma tal asserção (quase uma acusação) não se baseou em nenhum esforço analítico das posições da FpD, nem levou em consideração o principio segundo o qual os actores políticos não devem ser tidos (ou avaliados) por aquilo que dizem de si mesmo mas pelas consequências (reais e lógicas) dos seus actos. É que uma declaração política pode ser produzida apenas para ter um efeito de anúncio.

Está mais claro agora para a opinião pública (pois os próprios também já o admitem) que a declaração da Unita de estabelecer uma ampla coligação não tinha senão a intenção de marcar o timing político e de apresentar este partido, marcado por uma longa história de autoritarismo, como uma força convertida à democracia moderna e à ideia de abertura às demais forças políticas e à sociedade civil. Ora, a Unita não tem nenhuma tradição nas movimentações da sociedade civil, nem de apoio aos movimentos sociais e sabe que a força política que marca esse território é precisamente a FpD. Ao produzir esta declaração empurrou objectivamente a FpD para fora desse terreno, renegou a ideia da divisão do trabalho que era suposto existir no interior da “unidade da oposição”. O mesmo se dirá em relação ao manifesto menosprezo pelo papel do PRS ou da FNLA, nomeadamente nas províncias onde estes partidos são primeira força política (Lundas e Zaire, respectivamente). A ideia de que há um Big-Brother da oposição que determina a acção e paralisa os outros, obrigando-os a correr atrás das suas próprias escolhas, ignorando a plataforma onde se poderia ter discutido previamente tudo isto, para além de denotar uma arrogância própria do autoritarismo radical, não é seguramente um alicerce da unidade de oposição.

Para além disto, dizer que a oposição da FpD à bipolarização e à maioria absoluta dificulta a unidade da oposição, é uma afirmação que parte de duas ideias que nos parecem equivocadas. A primeira, é a de considerar “oposição” tudo que se diz de oposição mesmo que na sua prática faça parte do Governo ou apoiem a acção do regime em toda a sua extensão. Alguns vão mesmo ao ponto de reconhecer publicamente que têm um acordo com o partido da situação para fazer barreira à oposição. Como pode este tipo de partidos fazer parte da oposição? A segunda, é a ideia de que a unidade da oposição implica a “unicidade orgânica”.

Esta asserção também não leva em consideração nem a actual lei eleitoral, nem a história política do país e a cultura de exclusão do “Outro” que a atravessa. Todos os analistas avisados sabem que com a actual lei eleitoral o estabelecimento de uma coligação eleitoral implica a “fusão” orgânica e a continuidade como coligação pós-eleitoral que provoca o desaparecimento das identidades coligadas, pelo menos, por uma legislatura. Os partidos coligados, após as eleições, não têm direitos de deputação, desaparecem para se fundirem no grupo parlamentar da coligação. Ora, não é bom para o país, nem para nenhuma das formações da oposição que conta, que as suas siglas desapareçam.

Mais do que a vitória eleitoral (que reside na vontade soberana dos cidadãos) importa a mudança política do país. Por isto, a FpD e as forças políticas da mudança democrática devem cortar, de forma decisiva, com duas práticas da história política nacional recente. A primeira está ligada ao movimento de libertação nacional e a segunda ao movimento revolucionário de esquerda pós 25 de Abril de 1974. Um dos grandes erros do nacionalismo angolano foi o de pensar que a unidade nacional (e de combate ao colonialismo) tinha que se fazer pela unicidade orgânica e não pelo respeito da pluralidade. Esta ideia de unidade pela unicidade é o resultado da filosofia da legitimidade exclusiva. Esta ideologia resultava na tentativa permanente de cooptação ou de eliminação do “Outro” nacional. Foi assim que a unidade de luta nunca foi possível e os movimentos de libertação nacional, cada um por seu lado, continuaram a achar e a afirmar que eram o “único e legítimo representante do povo angolano”, pondo mais empenho e energia em combater-se entre si do que em combater o colonialismo português que era o inimigo comum.

Esta ideia ganhou raízes no nosso meio político com o estabelecimento do regime de partido-Estado que procura organizar uma sociedade totalitária (ou totalizante) em que a Nação se realiza pelo partido único. A “unidade nacional” é então concebida pela adesão ao partido-Estado, sendo que o partido era a instituição das instituições. Pelo seu lado, a oposição armada, ao organizar as suas “terras livres de Angola”, longe de se ter afastado deste modelo, ainda o radicalizou mais organizando uma máquina político-administrativa submetida a uma hierarquia e disciplina militar em que não era admitido nenhum terreno de crítica, com uma fraca diferenciação das instituições e com um poder centralizador autoritário que se transformou num ícone, ao ponto de se afirmar que “a Unita é o dr. Savimbi, o dr. Savimbi é a Unita”. Felizmente, isto nunca foi verdade, embora Jonas Savimbi tenha colonizado a Unita durante as últimas décadas, condicionando os destinos deste partido aos seus interesses pessoais de poder. O que significa que este partido precisava, num novo contexto angolano, de uma “refundação” que o afastasse desta tradição autoritária sangrenta. Esta reconversão tornou-se inviável porque os partidários de Muangai encontraram em Samakuva um chefe que em nome do poder abandonou o projecto de política que o levou à sucessão do líder carismático, dominando o campo maioritário do seu partido de forma hegemónica e fomentando o revivalismo do savimbismo e investindo a memória na política actual.

Por seu lado, o movimento revolucionário de esquerda, tendo um projecto próprio e adoptando estruturas próprias promoveu a “infiltração” dos seus militantes no seio do movimento de libertação com a ideia de o transformar, por dentro, numa organização classista que obedecesse aos propósitos revolucionários desses grupos. A esta prática se chama “entrismo”, atitude que foi fortemente criticada no aggiornamento político que os movimentos e personalidades de esquerda fizeram ao longo de vários anos, a duras penas para muitos. O que quer dizer que é um “erro” que não se deve repetir em circunstância alguma. É fundamental que os actores políticos da mudança estrutural do país e da solidariedade social sejam autónomos nas suas escolhas e responsáveis pelo capital de confiança que lhe for atribuído.

Por isto, é preciso não esquecer de contextualizar “a coligação”, quer em relação ao tipo de eleição a disputar, quer em relação aos grupos que a integram e aos respectivos objectivos. Não é a mesma coisa agrupar um conjunto de partidos numa plataforma única (sem nunca perderem a sua identidade) que visa a conjugação de esforços e a potencialização de possibilidades para disputar os 223 lugares da Assembleia Nacional e fazê-lo para eleger um Presidente. É preciso não perder de vista que as eleições legislativas são centradas nos partidos e nos objectivos particulares destes. Não há, no nosso país, eleição do Primeiro-Ministro que, uma vez eleito, forma governo independentemente da composição política do Parlamento, como acontece em Israel. Em Angola, os cidadãos votam nos partidos que, por força desses votos, colocam, na base de uma lista previamente estabelecida, deputados na Assembleia Nacional e, em função da correlação de forças políticas no interior desse órgão de soberania, o Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República e forma Governo.

Por outro lado, uma coligação da oposição levaria a bipolarização do espaço político nacional e a maioria absoluta de uma das partes. Então, quem está contra a maioria absoluta, tem que estar necessariamente contra a bipolarização pois esta conduz seguramente à maioria absoluta. Para além de que pode ser produtora de uma fractura social que pode ter efeitos perversos irreversíveis mais tarde.

Também é sabido que um dos papéis da oposição moderna é o de contribuir para a existência da boa governação, o de contribuir para o aumento da qualidade da política, pela sua acção crítica e propositiva, quer na câmara legislativa, quer no espaço público. O quer dizer que a pluralidade é também, em princípio, uma garantia de maior produtividade da Assembleia Nacional. Mas para além da quantidade, há também a considerar a qualidade. O país só tem a ganhar se poder aumentar a qualidade dos seus Deputados – este é um dos desejos da FpD.

Enfim, não se divide o que é diferente na sua natureza e essência. Por exemplo, na última semana, em entrevista ao Agora, Isaías Samakuva propõe que as pessoas se juntem “aos fortes para ficar mais fortes”. A questão não é pois de princípios políticos, é uma questão de poder. Para a FpD a unidade da oposição (que não é sinónimo de coligação), para além de observar um estrito respeito das identidades partidárias, tem que considerar as bases programáticas sobre as quais se poderia erigir uma tal unidade. A FpD não quer juntar-se aos “fortes”, quer dar voz aos “fracos”. A FpD não quer perpetuar o “país de compromissos”, próprio do “porreirismo” nacional, quer um país de responsabilidade e progresso social.

terça-feira, 8 de abril de 2008

O PENSAMENTO E ACÇÃO DOS ACTIVISTAS DO SOCIAL II

Cada geração tem a sua função. E, se a geração da luta de libertação nacional exerceu o seu direito à indignação (…) a geração da libertação social deve também, (…) manifestar a sua indignação e protestar contra o desenvolvimento separado (o apartheid social) que prossegue e que busca agora uma legitimidade renovada”.
(artigo de Nelson Pestana (Bonavena), publicado no AGORA, nº 572, de 5 de Abril de 2008)
A questão social, como disse no texto anterior, está na moda dos discursos. Esta vai ser tratada não pela sua natureza mas como epifenómeno. A pobreza, por exemplo, é tratada nesses discursos dos ricos, não como uma manifestação da desigualdade e exclusão, mas como o resultado da incapacidade dos próprios pobres de se enriquecerem. Não há pois nessas abordagens, quer de pendor político, quer de pendor económico, nenhuma perspectiva histórica ou analítica da desigualdade e da exclusão. É claro que “a desigualdade é um fenómeno socio-económico” historicamente determinado e a exclusão é “um fenómeno socio-cultural, um fenómeno de civilização”( Boaventura de Sousa Santos).

Franz Fanon é com certeza um autor empolgante (embora lhe conteste algumas das abordagens e corrobore algumas das críticas que lhe são endereçadas sobre o papel da violência). Este médico psiquiatra das Antilhas que se fez o teórico da revolução nacionalista em África (lutando ao lado da guerrilha argelina e incentivando o movimento nacionalista por toda a África e, nomeadamente, em Angola) tinha na abordagem da exclusão o demiurgo da sua análise do colonialismo. Na sua análise das identidades resultantes da ordem social do colonialismo, Franz Fanon defende que a exclusão é um processo de despojamento da dimensão humana do indivíduo que o impede de ser sujeito do seu processo de reprodução social. Os pobres não são pois resultado da inépcia pessoal mas fruto da desigualdade e exclusão. Estas duas manifestações da questão social podem ser produzidas das mais diferentes formas e, nomeadamente pela falta de acesso à escola, ao emprego e a uma vida familiar condigna (habitação, água potável, saneamento, à saúde e cultura).

Por esta razão, reporto de grande importância o pensamento e a acção dos activistas do social neste período em que a “pobreza” vai estar na “moda”. Hannah Arendt (essa anti-facista de grande talento) tinha, na relação entre o discurso e a acção, a condição fundamental do Homem; o locus da sua condição de sujeito. Por isto, para ela, o individuo, ao ser despojado do discurso, é despojado da sua condição de actor, da sua possibilidade de se inscrever numa ordem relacional e simbólica, constituída por uma rede de pensamento e acção. Os activistas do social devem pois reivindicar um espaço de intervenção com voz própria e discutir, antes de mais, o monopólio da tematização, os modos e lugares do debate para não se verem envolvidos em actos litúrgicos legitimadores que são os fora do pseudo-debate.

A desigualdade e a exclusão não são fenómenos novos nosso país. No passado, os grupos excluídos estavam, no geral, impossibilitados de participar das relações económicas predominantes e das relações políticas vigentes, numa palavra, estavam excluídos do exercício dos direitos de cidadania.

Ao falarmos do país e das nossas vidas (uma coisa não vai sem a outra), num tempo de 32 anos de independência, constatamos que nada foi feito (ou muito pouco ou muito mal feito) para reverter a situação de exclusão que afectava os angolanos no período colonial. Até o sentido da evolução do movimento em prol da cidadania na civitas colonial, resultante do flamejar das catanas e de uma desesperada tentativa de relegitimação do tardo-colonialismo, se perdeu. E, embora tenham mudado as circunstâncias, os actores, as formas de legitimação e outras, no essencial, aquele quadro de negação de direitos é assimilável à situação actual.

Cada geração tem a sua função. E, se a geração da luta de libertação nacional exerceu o seu direito à indignação, com todos os riscos que isso acarretou para eles, a geração da libertação social deve também, integrando-se no devir histórico nacional, manifestar a sua indignação e protestar contra o desenvolvimento separado (o apartheid social) que prossegue e que busca agora uma legitimidade renovada.

Na verdade, da mesma maneira que os nacionalistas, no passado, lutaram pela “autenticidade” de ser angolano, no contexto colonial, também os activistas do social, na actualidade, devem ir a contracorrente da acomodação e procurar inquietar, afirmando, através do exercício da autonomia de vontade, aquilo que acham que é próprio de si e do seu tempo.

Hoje, é certo, que para além da filosofia do ser (angolano) temos também que fundamentar uma filosofia do indivíduo. Afinal, um dos fundamentos inscritos na Constituição da nossa República não pode ser uma ideia abstracta, deve ser sinónimo de bem-estar. “Bem-estar e qualidade de vida dos cidadãos” que é um dos fins do Estado, segundo a mesma Lei Constitucional (artigo 9º). Por isto, pensar um novo sistema de regulação social integrador é uma inquietação ontológica que os nacionalistas, devido às desavenças e dissabores no seu seio, não resolveram favoravelmente à Nação mas que os activistas do social não podem deixar de o fazer, sob pena de estarem somente a reproduzir, com o seu grandioso esforço, a ordem e estruturas com as quais discordam.

Nesse exercício, temos como seguro que renunciar ao autoritarismo como modelo de regulação, não somente vem na razão directa da nossa tradição política de origem, da natureza pluralista da Nação mas é também um pressuposto do sucesso do desenvolvimento. Um desenvolvimento necessário que nos convoca para novas batalhas na escola, na empresa, nos campos e na família. Não mais a nostalgia instrumental do Cuito-Canavale mas o esforço da mão a domar a caneta, a temperança a moldar o aço, o domínio da agilidade das auto-estradas da informação, o saborear do suculento das laranjas do Gangassol, enfim, o recato da nossa família que soma e segue e através de todos e de cada um se faz país.

terça-feira, 1 de abril de 2008

A TRAGÉDIA DA DNIC

(Comunicado da FpD sobre a tragédia da DNIC que foi censurado por toda a comunicação social pública)

FRENTE para a DEMOCRACIA
Secretariado Nacional

COMUNICADO

A Frente para a Democracia (FpD) tomou conhecimento com grande perplexidade do desabamento do imóvel onde funcionava a Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC), ocorrido cera das 04h00 da manhã de hoje, 29 de Março, e da incerteza quanto ao destino de alguns agentes da DNIC em serviço e de mais de uma centena de cidadãos em prisão preventiva.

A FpD não quer imaginar a dimensão da tragédia se o desabamento tivesse tido lugar em hora normal de trabalho, de visita dos detidos ou mesmo se tivesse ocorrido no dia anterior, quinta-feira, dia 28 de Março, por ocasião da visita à DNIC, de uma delegação da Procuradoria-Geral da República, chefiada pelo Digníssimo Procurador Geral da República.

A FpD lamenta muito profundamente os prejuizos humanos e materiais e a perda gratuita e irresponsável de vidas dos cidadãos vítimas desta tragédia.

A FpD curva-se perante a dor de todos os cidadãos e respectivas famílias e endereça o seu profundo sentimento de pesar e o seu abraço solidário, bem como deplora os danos materiais e morais sofridos por pessoas e empresas em consequência do acidente, para os quais impende sobre o Governo o dever de reparação urgente e justa.

A FpD não pode deixar de constatar que tendo sido o referido imóvel objecto de inúmeras obras de reabilitação (a última das quais muito recentemente) apenas a eventual má-fé dos empreiteiros, a negligência e o espiríto do deixa andar dos dirigentes da instituição ou a falta de profissionalismo e incompetência dos fiscais das obras pode ter permitido este desfecho trágico que, segundo declarações da protecção civil, era previsível.

Por isso, a FpD exige que as autoridades tudo façam para resgatar com vida aqueles que ainda permanecem sob os escombros do edificio, cuidem dos feridos e proporcionem acompanhamento psico-terapeutico aos familiares. A FpD exige também que o Ministro do Interior, com carácter de urgência, dê explicações à opinião pública e à Assembleia Nacional sobre as razões que levaram a uma tal ocorrência. Finalmente, a FpD exige do Procurador Geral da República a abertura de um rigoroso inquérito para apurar responsabilidades pela tragédia e daí se extrairem as consequências políticas, criminais e outras, pois a culpa, no caso vertente, não pode morrer solteira.


Luanda, 29 de Março de 2008.

O SECRETÁRIO GERAL



Liberdade Modernidade Cidadania