segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

A NOVA ESCOLA

“A escola surge assim como um lugar muito importante de realização da cidadania. A escola de que o país precisa para se desenvolver rapidamente (e recuperar todos os atrasos que registou ao longo dos trinta e três anos de independência) precisa de muito dinheiro dirigido, não para despesas administrativas perdulárias mas para o estudante no plano académico, social e cultural”.
Nelson Pestana (Bonavena)*

No texto anterior falamos da educação como objectivo estratégico do país.
Apresentávamos então a educação e a formação profissional como dois elementos-chave do desenvolvimento do país. Dizíamos que através destes podíamos aumentar as oportunidades dos cidadãos angolanos (assegurando a todos a oportunidade de desenvolver as suas competências, capacidades e habilidades) garantir o crescimento económico sustentado (aumentando a quantidade e qualidade do capital humano nacional disponível ao processo de produção) e combater a vulnerabilidade estrutural do país que constitui a pobreza.

Apesar de ter como principais propósitos imediatos os de erradicar o analfabetismo e de tornar universal o acesso ao ensino geral e à formação profissional continua, a educação deve ser tida como uma conquista da humanidade a ser proporcionada a todos os níveis e em todo tempo. Também não deve ser vista como uma instituição abstracta. A escola deve ser vista como local de promoção social, valorização e desenvolvimento da cultura, da crítica, da autonomia, do conhecimento e da sua aplicação prática. Se o desafio da quantidade corresponde a demanda actual das nossas crianças que não podem ver os seus direitos fundamentais violados sob pretexto de falta de escola, é uma imposição da acirrada competitividade do mercado atingir-se rapidamente uma educação de qualidade, quer no ensino público, quer no ensino privado. E, para almejar um tal desiderato, o Estado deve financiar de forma suculenta o ensino público mas também o privado que tenha uma função social. Ou seja, o Estado deve, sem nenhum complexo, incentivar o ensino privado para que este, a par do ensino público concorra para proporcionar o acesso ao ensino de qualidade a todos os cidadãos. O ensino especial funciona ao nível do ensino primário mas deve atingir os outros níveis e as estruturas físicas das escolas têm que ser preparadas para receber com fácil acessibilidade pessoas portadoras de deficiência física.

Na nossa concepção a escola surge como um lugar muito importante de realização da cidadania. A escola tem que ser entendida como o local de “trabalho” das nossas crianças, estas deverão dedicar seu tempo principal aí. A escola de que o país precisa para se desenvolver rapidamente (e recuperar todos os atrasos que registou ao longo dos trinta e três anos de independência) necessita de muito dinheiro dirigido, não para despesas administrativas perdulárias mas para o estudante no plano académico, social e cultural.

Pois essa escola de que o país precisa, tem que ser uma nova escola que ocupa as nossas crianças e jovens o dia inteiro. Ela deve ser entendida como sendo o “emprego” deles. Enquanto, os pais partem para a labuta da vida, os candengues e misangalas devem partir para a escola onde vão adquirir cultura geral e as competências que lhes permitam exercer uma profissão. Estas trajectórias poderão, inclusive, a partir de uma determinada altura, fazerem-se em paralelo, isto é, enquanto já se trabalha, continua a aquisição de novas e mais elevadas competências. Na verdade, o país precisa de mandar todo o mundo para a “escola”. A formação profissional deve ser alargada a todos os sectores e a todos os cantos do país, dando maior relevo aquelas áreas que são a base de sustentação do nosso desenvolvimento e tendo em atenção a definição da nossa integração na SADC, do papel que nos reservamos na África central e da nossa inserção no sistema da economia mundial. A formação profissional deve também ser entendida como formação contínua, em todos os domínios. O país precisa pois das ferramentas que lhe permitam dotar-se de múltiplas instituições de divulgação e difusão do saber e de competências e de promoção do acesso universal a um ensino de qualidade a todos os cidadãos.

A escola surge assim como um lugar muito importante de realização da cidadania. A escola de que o país precisa para se desenvolver rapidamente (e recuperar todos os atrasos que registou ao longo dos trinta e três anos de independência) precisa de muito dinheiro dirigido, não para despesas administrativas perdulárias mas para o estudante no plano académico, social e cultural pois não basta proporcionar o acesso universal à escola, não chega garantir que o desenvolvimento da rede escolar vai acompanhar o desenvolvimento demográfico, é preciso aumentar os níveis de aproveitamento e reduzir os altos níveis de absentismo e desistência.

A nova escola que ocupa a criança o dia inteiro tem outros efeitos sociais muito importantes, quer para a criança, quer para as famílias, quer ainda para o país. Nela interagem outros sectores: o serviço social escolar, o serviço médico escolar, o desporto escolar e todos os serviços implicados com as actividades extra-escolares (informática, música, artes, leitura, educação para o ambiente e outras). Tendo as crianças o dia todo na escola é obrigatório garantir duas merendas diárias (uma ao meio da manhã e outra ao meio da tarde) e um almoço. O que implica, para além de outros aspectos, a organização de um serviço social de apoio a nível nacional. Através destas três refeições é possível melhorar a dieta alimentar das nossas crianças, tornando-as mais sadias. A nova escola de dia inteiro através dos serviços de saúde escolar terão a obrigação de controlar as vacinas básicas (a quíntupla + meningite) as parasitoses, as doenças respiratórias e um aporte vitamínico adequado para combate das anemias. O desporto escolar é a base do desenvolvimento sustentado do desporto nacional. As actividades extra-escolares são fundamentais para que as nossas crianças desenvolvam outras competências que são necessárias no mundo contemporâneo.
O facto das crianças ficarem o dia todo na escola tem efeitos colaterais importantes, nomeadamente, a libertação da mulher que é uma força produtiva extremamente importante e a redução das despesas no orçamento da família que apenas tem que se preocupar com a refeição da noite. Por outro lado, a medicina preventiva na escola e a educação para o ambiente, não somente proporciona um desenvolvimento mais sadio às nossas crianças como permite ao Estado poupar dinheiro com várias doenças que serão evitadas, nomeadamente todas aquelas ligadas ao meio ambiente e saneamento e aos hábitos de higiene como seja o simples gesto de lavar as mãos.

As outras vantagens são mais que evidentes, quer nos níveis de aproveitamento, quer na promoção da igualdade de oportunidades pois, contrariamente as demais classes, as classes baixas normalmente não têm tempo ou competência para fazer o acompanhamento dos filhos no estudo e na realização dos deveres escolares de casa.

Essa nova escola assim concebida implica novas formas de participação de todos os actores intervenientes, através de fóruns de concertação que permitam o alargamento da democracia e uma forte acção de fiscalização, nomeadamente contra a corrupção. A nova escola implica também uma forte valorização profissional e humana dos professores que são o factor decisivo para o sucesso de todo este programa.

*Cientista político

A NAÇÃO NO DISCURSO DE NÓS MESMO

“Em vez de procurar legitimar-se por este meio para se eternizar no poder independentemente da mudança social e da nova consciência nacional, o poder deveria, num país que viveu longos anos de guerra civil, optar, necessariamente, por um discurso sobre as formas de reconciliação e de reconhecimento do Outro”

Nelson Pestana (Bonavena)*


Dois acontecimentos recentes que ocorreram na mesma altura, embora de forma separada e sem aparente relação entre si, chamaram a minha atenção e suscitaram-me uma reflexão sobre o sentido de “nós mesmo”. Um foi um acto de memória, outro um quase fait-divers. O primeiro foi o simpósio sobre Holden Roberto, promovido pela FNLA, em que participaram intelectuais de vários quadrantes políticos, o outro a ida e as declarações in loco da Governadora de Luanda sobre o Mural do Hospital Militar Central, justificando a sua renovação e permanência das palavras de ordem do partido único e da propaganda das suas organizações de massas e departamentos. Este é do registo institucional e o anterior do discurso alternativo.

Os dois factos inscreveram-se em torno da ideia da construção da Nação, das suas representações e da sua função simbólica pois a justificação da governadora, embora tratando-se de propaganda política do partido de poder, falava da preservação do património como legado histórico de uma mesma comunidade, enquanto o Simpósio sobre Holden Roberto visou uma releitura do nacionalismo angolano que contrariasse a versão oficial redutora que privilegia a acção do partido-Estado e desvaloriza, estigmatiza ou mesmo ignora o contributo dos demais movimentos e grupos nacionalistas.

Para mim toda identidade é necessariamente uma “fabricação” que trabalha aspectos da história e da memória de um determinado colectivo com vista a um fim concreto de afirmação e/ou dominação. Esta “fabricação” é quase sempre fruto das elites intelectuais e da imposição de um poder sobre os demais membros da comunidade que a assume e a vivifica, dando-lhe curso e força reprodutiva. Mas, esta construção não é, de todo em todo, arbitrária, baseia-se em factos históricos e produtos sociais determinados.

Mas, apesar disto, pode conter “falsificações” (Christine Messiant dizia que, entre nós, mesmo o passado é imprevisível), o que faz do facto nacionalista angolano um mercado especulativo, tanto quanto qualquer outro, pois cada um dos protagonistas da história procura vender a sua participação, ao melhor preço, melhorando-a ou embelezando-a com artefactos e artifícios, dando azo aquilo que poderia chamar uma especulação da memória participativa. É pois um terreno de concorrência e de exclusão e, por isso, Siona Casimiro, tendo subjacente o 4 de Janeiro, a comemoração de mais um aniversário da revolta da Baixa de Cassanje, escreveu uma bela crónica, transmitida pela Rádio Ecclesia, em que procurava “reintegrar na história” aqueles que dela foram excluídos por razões conjunturais de dominação, atribuindo o incitamento da revolta ao Cónego Manuel das Neves.

O poeta Agostinho Neto tinha uma ideia de Nação que em vista das teorias sobre a Nação se aproxima da ideia de Renan, segundo o qual, o critério que funda a pertença é um princípio espiritual que articula, por um lado, as vivências comuns, ligadas à uma continuidade genealógica e, por outro, a vontade de “viver em comum”, o sentido de ser reconhecido como pertencente a uma dada comunidade. Já a revolução, por ele liderada, apaga as pessoas e toma como referentes os ícones em que algumas delas são transformadas ou que ela própria edifica, o que conduz a exclusão de todos os demais. É o sentido de utilidade para a revolução que determinava a pertença a essa colectividade.

A revolução angolana, protagonizada pelos mais diferentes actores do nacionalismo angolano, é por natureza produtora de exclusão e, in fini, autofágica. A autocracia que lhe imita os passos, não nos propósitos, não na bondade do seu projecto social, mas nos métodos de dominação e reprodução legítima, não quer privilegiar senão a reprodução e o reforço do seu poder. A prova da sua frágil legitimidade democrática, conseguida por golpe eleitoral, é que o regime continua a apostar, como o faz a Governadora de Luanda, em relação ao valor histórico-cultural do Mural do Hospital Central de Luanda, numa versão da história que faz do partido de poder a “vanguarda do povo”, através da qual a Nação se realiza.

No entanto, em vez de procurar legitimar-se por este meio para se eternizar no poder independentemente da mudança social e da nova consciência nacional, o poder deveria, num país que viveu longos anos de guerra civil, optar, necessariamente, por um discurso sobre as formas de reconciliação e de reconhecimento do Outro. A forma como se aceita o Outro, não somente no dia-a-dia mas sobretudo na história e em relação a memória de si, é o traço fundamental a compreender para se explicar os modos e lugares (reais ou de memória) da concretização da unidade nacional e da imagem que se constrói da Nação enquanto comunidade de destino.

As bases sobre as quais se constrói hoje (o discurso sobre) a Nação deveriam, pelo menos na escolha dos seus referentes, ser diferentes do passado período de partido único e não mais insistir nessa ideia bizarra de que o partido único (recauchutado) será a forma ideal de realização da Nação.

Sei que o debate sobre os símbolos nacionais, nomeadamente sobre a bandeira nacional, que virá adrede com a “discussão constitucional”, vai ainda carrear muito desse pensamento que pretende “universalizar” e dar como referente geral, uma experiência particular de um grupo contra outro(s). Isto tem levado a que, no interior de si, a identidade colectiva afecte a identidade singular dos indivíduos em relação à sua integração na estrutura do inconsciente colectivo, resultando na construção de uma fronteira imaginada entre núcleos culturais e, sobretudo, entre indivíduos. Pelo que a Nação aparece como um imaginário a geometria variável que dá a cada indivíduo uma visão diferente, a cada apreciação diferenciada.

Mas, sendo a Nação fundada sobre o imaginário colectivo, as paixões e fantasmas de “nós mesmo”, caracteriza-se também pela convivência do simbólico da diferença cultural e das representações do Outro. E, isto, é que é importante e mobilizador de todos nós e não insistir nos ganhos de uma crise de identidade (a guerra civil) apenas porque se detém o monopólio da força.

* Cientista político

"AS GLÓRIAS DO GENERAL" - já vi este filme!

“José Eduardo dos Santos, ao mesmo tempo que organizou uma máquina de subversão da vontade popular expressa pelo voto, apresentou-se na sua faceta mais genuína: “a de jogador”. A de “jogador” rotineiro que vicia as cartas, muda os baralhos e corrompe o croupier para vencer todas as partidas e arrecadar todas as fichas, transformando o país no seu casino pessoal”.
Nelson Pestana (Bonavena)*

Há analistas que indicam que José Eduardo do Santos não vai insistir na sua intenção de ser “eleito” de mão levantada, como candidato único, pela Assembleia Nacional. Esta convicção estaria baseada na sua própria atitude, na tentativa que fez de melhorar a sua imagem, pela orientação que deu no seu discurso de fim-de-ano, nos sinais que vão chegando do interior do partido da situação e que vão no sentido da recusa de uma mudança da Constituição para confortar essa sua pretensão. Parece que a maior parte dos militantes do partido dos Santos estão contra uma tal proposta e têm feito ouvir a sua voz através de personalidades de ponta da sua família política mas também por jovens irreverentes.

Não deixa de ser interessante escutar essas vozes e perscrutar os sentimentos dos vários segmentos da sociedade. Isto permite-nos ter elementos de análise e compreender melhor os mecanismos de manipulação política da central ideológica do regime mas também as formas de resistência que se lhe opõem. Este tipo de manifestação é também útil a destruição da ideia de que a fraude eleitoral corresponde a um unanimismo nacional a favor do partido de governo.

A proposta de José Eduardo dos Santos, mesmo que tenha surpreendido alguns, não é nada que seja estranho à sua maneira de estar na política nacional. José Eduardo dos Santos é um conservador convicto que apesar de falar em “mudança na continuidade”, é nesta ponta da expressão onde melhor se revê e, por isto, não corre nenhum risco. Só empreende por uma solução, não tendo absoluta segurança, correndo algum risco, quando é forçado a fazê-lo ou quando comete algum erro de avaliação da situação. Aí, recua imediatamente, volta a trás e dá o dito por não dito. Ele só avança quando tem a absoluta certeza de vitória. Quando acontece um fracasso, procura imediatamente um bode expiatório. O pior que lhe pode acontecer é ser posto perante desafios e responsabilidades. Tragam louros que ele os colhe a todos. Afinal, como dizia o poeta, “as glórias cabem aos generais”. E dos Santos é um general com um superego e uma libido dominandi desmesurada!

Os ais das batalhas pertencem aos soldados, fica subentendido no poema de Agostinho Neto e por isso alguém há-de sempre de ser sacrificado para que a montante ou a jusante de uma qualquer operação política, seja preservado “o general”. Quintino Moreira que secundou o presidente do partido da situação nesta proposta, reivindicando-lhe a paternidade, não é um soldado, é apenas um batuqueiro: aquele que faz ecoar a mensagem. O papel dele esgota-se aí.

José Eduardo dos Santos é um “general” que conta com os seus soldados. A incorporação de um “batedor” é meramente circunstancial. A sua manobra política desde há dois anos, não se vai esboroar perante uma simples “oposição”. Ele separou as eleições legislativas das presidenciais, abandonando a ideia da sua realização simultânea porque não tinha a certeza de uma vitória nas “eleições gerais”, como dizia nessa altura. Ao fazer preceder as legislativas em relação às presidenciais o que pretendia era ter o absoluto controlo da situação e ter campo de manobra que lhe permitisse continuar a ser poder (autoritário) mesmo em caso de derrota ou de maioria relativa do seu partido, como indicavam, ao longo do tempo, as sondagens que encomendou a várias entidades especializadas.
Foi esta separação que permitiu desbloquear a situação de impasse em que o país se encontrava, após o estabelecimento da paz, que o levou a sucessivos adiamentos da data de realização das eleições. Teoricamente, a eleição que lhe interessava era a presidencial, pois ele, na qualidade de Presidente da República, qualquer que fosse o resultado das legislativas, continuaria a ter um grande poder sobre as forças políticas, por força do golpe do acórdão do Tribunal Supremo que lhe atribui a chefia do Governo e que transformou o Primeiro-Ministro em seu coadjutor.

Esta separação também lhe permitiu organizar o golpe da fraude eleitoral, contando com uma conivência alargada porque ele se insinuou como o presidente de todos os angolanos que não estaria directamente interessado no resultado das eleições legislativas, mas tão-somente ser o garante da estabilidade, no país. Manobra que lhe permitiu entorpecer ou mesmo adormecer, quer partidos políticos, quer organizações da sociedade civil e igrejas, quer ainda países da comunidade internacional.

Perante a quebra da vigilância de todos em relação ao poder, José Eduardo dos Santos ao mesmo tempo que organizou uma máquina de subversão da vontade popular expressa pelo voto, apresentou-se na sua faceta mais genuína: “a de jogador”. A de “jogador” rotineiro que vicia as cartas, muda os baralhos e corrompe o croupier para vencer todas as partidas e arrecadar todas as fichas, transformando o país no seu casino pessoal.

Perante a vitória fraudulenta e a maioria abusiva de 85% de que dispõe na Assembleia Nacional, não hesitou em expressar (sempre de forma subliminar) a sua vontade de se fazer “eleger” por voto de mão levantada, sendo candidato único. Depois saiu de cena mas não abandonou o teatro. A seu tempo voltaremos ao melodrama anunciado. Outros actores e figurantes farão a sua aparição. Dos Santos, controlando tudo, por detrás da cortina, ficará sempre na posição daquele que o povo quer, aquele que nos faz o favor de se sacrificar por nós”. Aquele que será escolhido pela vontade popular, através dos seus representantes. Não faltarão “soldados” e oficiais para defender esta ideia e fazer prevalecer a vontade “subterrânea” do chefe.

No passado, já vi este filme. José Eduardo dos Santos não se opôs ao projecto de alteração da Constituição que foi elaborado por uma Comissão Técnica nomeada (e controlada) por si. Mas, no dia da sua discussão, na Assembleia do Povo, surgiram os enfants-terribles do regime, à época, para contrariar todos e defender a ideia obtusa de que naquele momento a mudança era um risco, um perigo para a unidade nacional e outros “cujos e algos” mais.

Um governante renovador de então, veio defender a proposta da Comissão Técnica que assistia de camarote, desarvorada e meio envergonhada perante os seus conselheiros portugueses, ao desabar do castelo. Esse governante, procurando ganhar a assembleia, adoptou a táctica de primeiro lisonjear (bajular até mesmo) para depois dizer que estava na hora da mudança. Disse que o chefe era o melhor em tudo, ao ponto de dizer que ele era melhor que ele próprio mas melhor que ele só ele próprio. Mas, apesar disto, era preciso aceitar a ideia da consagração da separação de poderes e por isso o chefe devia deixar de ser o presidente da Assembleia do Povo

Apesar deste esforço o “camarada” (novo-cristão) não conseguiu convencer dos Santos dessa necessidade. E este levantou pessoalmente a voz para se opor à separação de poderes, na revisão de Março de 1991. E, mais adiante, perante uma certa resistência da “ala renovadora” de então, a sessão da Assembleia do Povo foi suspensa para dar lugar a uma curta reunião do bureau político do partido único. Aí, foram baixadas orientações para que a “continuidade” da fusão de poderes se mantivesse na Constituição de Março de 1991. Ao retomar a sessão de alteração da Constituição, às vozes favoráveis à continuidade da fusão de poderes juntaram-se figuras destacadas da direcção partidária da época que até aí tinham primado pelo silêncio. Perante a pressão intimidatória o resultado foi aquele que todos conhecemos: a manutenção.

Cheira-me que a “glória do general” vai tornar a ser defendida, até porque a sua capacidade de intimidação e coerção política é bem maior.

* cientista político