sábado, 29 de agosto de 2009

OS PAPÉIS DO INGLÊS - ou o Ganguela do coice

Esta obra de Ruy Duarte de Carvalho é aparentemente uma estória simples, feita da "narrativa breve”, “da invenção completa da estória de um Inglês que em 1923 se suicidou no Kwando depois de ter morto tudo à sua volta”. Esta “invenção” teria como base uma sucinta crónica de Henrique Galvão", inserida no livro deste autor, “Em Terra de Pretos” (1929). É desta maneira que o livro é apresentado no seu rosto e, normalmente, pelos resumos que dele se fazem. Mas, apesar disto o romance do RDC não é apenas a reinvenção “completa” da crónica de Henrique Galvão.
Henrique Galvão, para além do seu nome ter ficado ligado a Angola também por outras razões e, nomeadamente pelo desvio do Santa Maria que viria a aportar Luanda, por volta de 4 de Fevereiro de 1961 - determinando assim a escolha da data do assalto às cadeias de Luanda, é um dos autores mais importantes da literatura colonial, tendo escrito vários textos em teatro, conto, aventuras de caça, crónicas (“Em Terra de Pretos”, 1929), romance (“O sol dos trópicos” e o “Velo d’oiro”), literatura de viagem e outros géneros. Os seus livros fizeram grande sucesso na época (quer na “metrópole”, quer na “colónia”), devido ao tom glorioso e heróico que dava às suas personagens, constituídas a maioria delas de colonos portugueses e suas aventuras em terras africanas (Omar Ribeiro Thomaz).
O romance Os Papéis do Inglês "decorre não apenas dos acontecimentos do Kwando relatados pelo Galvão” mas igualmente do facto (da “circunstância” – para usar a palavra do autor) de RDC os ter contado (p. 30) ao seu ajudante de campo, o Paulino que se lembrou do avô, já falecido mas que tinha sido, durante a juventude, precisamente, o Ganguela-do-Coice do carro bóer do tal Inglês. (Repare-se que “o Ganguela-do-Coice” é o subtítulo do livro) Ora o avô do Paulino, depois da tragédia do Kwando, narrada pelo Galvão, teria ficado com os papéis do Inglês.
A revelação do Paulino provocou em RDC um “sobressalto imaginativo” e uma grande expectativa. A partir dessa data, RDC “passou, com frequência, a divagar à volta do que me [lhe] ocorria emprestar à personagem do Inglês. O Galvão, de facto, pouco dizia da sua carreira anterior, no livro vinha apenas que o homem se tinha suicidado, em 1923 e que por essa data andava retirado do mundo civilizado havia já para aí uns bons 15 anos… mas eu, mesmo sem querer e bem à revelia do meu [seu] feroz programa de trabalho, estava afinal, por minha própria conta e risco, e a custa de alguma insónia, a saber cada vez mais. E hoje, já que nunca mais deixei de estar ligado a coisa, julgo saber tudo. E não vou ter descanso, conheço-me, enquanto não reduzir a ideia a objecto, ou acto”[1].
Estas explicações, captadas no próprio Ruy Duarte de Carvalho que enquanto nos reconta a estória do Inglês, nos fala do sua oficina e do seu próprio labor, permitem, por um lado, constar uma viva “consciência criativa” do autor e, por outro, dizer que o livro, “Os papéis do Inglês”, não é apenas a reinvenção dessa estória, nem, como se poderia pensar, o simples alargar das costuras da crónica de Henrique Galvão. A estória que Ruy Duarte de Carvalho nos conta, não é apenas a reinvenção da narrativa do "suicídio de um Inglês no interior mais fundo de Angola", em princípios do século XX. Não é simplesmente a simples “reinvenção” dessa sucinta mas impressionante estória que andou, durante mais de vinte anos, "a trabalhar a cabeça" dele (p. 14).
Longe disto! O que é então? Este livro é o resultado “da conjugação de muitos factores” e da "convergência de muitos outros". “Os papéis do Inglês” é uma estória muito mais complexa (p. 63), onde se misturam várias estórias, sendo uma delas a “versão” do RDC da estória inicial desse Inglês que tendo desertado da I Guerra Mundial se fixou nas bandas do Kwando, confrontada com outras estórias. (p. 21) Este livro, Os Papéis do Inglês é "uma narrativa com princípio e fim" – como nos garante o próprio RDC- mas não é um romance ou uma peça de ficção comum e foi escrita num lugar perdido, "numa das regiões menos povoadas de Angola, da África e do Mundo" (p. 22). Trata-se da estória de todas as estórias em torno dessa ideia que lhe trabalhava a cabeça há muito e no sulco das peugadas da época do Autor, em interlocução com a estória do seu romance com uma" destinatária que se insinua e se instala no texto" e a quem RDC dedica o livro e dirige cartas (como dirigia cassetes ao Filipe, em Vou Lá Visitar Pastores).

A estória foi também determinada pelo facto de Ruy Duarte de Carvalho não se sentir "capaz dos feitos de nenhum Conrad" (engano seu)! Esta convicção leva-o a adoptar, para a sua actividade epistolar, uma postura narrativa pessoana: "à laia de conversa mental", e a reflectir sobre a sua própria prática de narrador, enquanto recria os ambientes e as identidades necessárias para deslindar a breve estória de Henrique Galvão.
“Narrador” que ele próprio também descreve como "esse sujeito de barbas brancas que escreve debruçado sobre o caderno" (p. 62) sem saber até quando e que, há dado momento, se interroga (e a nós também) se "Seria altura de [se] alongar sobre o que lhe terá passado pela cabeça?" (pág. 58); ou compara a sua "versão" à “versão de Henrique Galvão", onde, segundo ele, "o Belga só intervêm depois da morte do Grego". (pág. 73); ou, se critica ao dizer, noutro passo, que está a ser "ligeiro" (pág. 141) na sua narrativa, ou, ainda, se justifica em relação as suas personagens: "é assim que os vejo e por causa disso andei o ano passado a reler "As neves de Kilimanjaro e as Verdes Colinas de África do Hemingway" (pág. 74).

Serão então as personagens de Ruy Duarte de Carvalho, o recorte das personagens de Hemingway? Claro que não! Mesmo porque RDC, pela maneira como trabalha a polifonia no romance e pela forma como mistura “a objectividade da pesquisa da pesquisa com o sal da fantasia” (Rita Chaves) se aproxima mais de Dostoiévski que é o monumento e o fundador do romance moderno (Milan Kundera)[2].

No entanto, RDC não aspira a ser considerado "romancista ou a ser tido como tal" (p. 58) e diga renunciar a qualquer esforço de transformar este livro num romance, Ruy Duarte de Carvalho, ao dar-nos notícia do seu trabalho e da sua consciência oficinal, mostra-nos que um livro que se escreve espontaneamente não é um livro, é tão somente um pensamento; um pensamento articulado ou uma soma de pensamentos. Para se tornar um livro o “autor” tem que se transformar precisamente em “Autor”, ou seja, deixar de ser um simples sujeito de múltiplas vivências que se articulam num ponto, para se apresentar como narrador de uma estória organizada em torno de um foco dramático, dando coerência e complementaridade a vários elementos que como simples vivências apareceriam como fragmentados.
Dito de outra maneira, para se ter um romance, não basta ser detentor de factos com algum potencial dramático, é preciso fazer entrar na oficina o conjunto de vivências, os vários materiais e os fazer sair organizados segundo um plano prévio ou apenas uma simples orientação (como é o caso do A.) que se vai refazendo e apurando, consoante o texto vai avançando e tomando corpo narrativo, isto é, consoante o texto vai se transformando em discurso literário.
A modéstia que Ruy Duarte de Carvalho manifesta no livro, traduz apenas uma opção: a de escrever uma prosa enxuta, onde tudo é explícito, num plano, e implícito, no outro. Por isto, faz entrar, no seu livro, vários outros livros, procurando uma intertextualidade (e um intertexto), marcada pelas várias citações que faz, sem complexos, de forma explícita, honesta e erudita que ilustra ainda mais o seu talento, mesmo porque o faz em toda a simplicidade e avisando a sua "destinatária", dando-lhe (a ela e a nós) "notícia explícita" do que é sua invenção (pág. 30), o que equivale, ao mesmo tempo, dizer do que não é sua criação.
Entram no livro Henrique Galvão, Conrad, Celine, o próprio Autor, quando nos remete, pela mediação da "destinatária", para o seu anterior livro, "Vou lá visitar os pastores" (p.15), a Bíblia, Michaux, Sade, Teodósio Cabral, Andrew Battel, Fenikov, Shakespeare… …e seguramente mais algum que me tenha escapado.
Todos os materiais que utiliza, segundo ele (e eu faço fé) entraram no livro porque foram ao seu encontro. Por exemplo, o livro do Galvão entrou-lhe pela janela (Carvalho 2001 p.-)… RDC apenas pegou nestes “materiais” e os potenciou na sua utilização através de um derrame imaginativo considerável. Neste "investimento criativo" (p. 142), que assume vários planos narrativos, é que está a genialidade de "Os Papéis do Inglês", ao harmoniza-lo e ao fazê-lo coabitar funcionalmente no interior da sua economia de texto. Esses planos narrativos são: primeiro, o da estória breve de Henrique Galvão e da de Luiz Simões, em "Manyama -Recordações de um caçador em Angola", na qual o Inglês e o Grego que ele abateu, antes da carnificina que precedeu o seu suicídio, aparecem como "dois aventureiros desertores dos exércitos aliados da I Grande Guerra e que caçavam e faziam negócio nessa região a que os ingleses chegaram a chamar "the criminal corner" (p. 19); segundo, o da estória, ao princípio, dos papéis do inglês que se tornou, mais lá para frente, a estória dos papéis do pai do próprio A, depois de ter sido, um pouco antes, a estória dos papéis do tio do Paulino; terceiro, o da narrativa do A. sobre a sua "perseguição" dos papéis; quarto o da estória do Inglês, aliás, sir Archibald Parkings que ante a imensa fadiga do meio académico londrino que frequentava e o seu desarranjo conjugal, viu fatalmente traçado o seu destino e, acreditando que "a verdade deste mundo é a morte" (p. 61) decidiu ir até ao fim; programou um suicídio a termo certo e, para tanto, partiu para África, de onde tinha vindo afinal, pois havia passado a sua meninice numa farm da Rodésia antes de vir para Liverpool licenciar-se; quinto plano, o da teoria da justificação do gesto extremo do Inglês (o suicídio). Este exercício é de cariz psicanálico mas nunca enfadonho; sexto, o intermezzo romântico que perpassa à voz calada da escrita dirigida "a destinatária", num jogo de espelhos através sobretudo das epistolas que precedem cada um dos capítulos do livro ou da discussão da sua identidade individual através do alter-ego que é o seu primo Kaluter.
A estes planos principais poder-se-ia, como na técnica cinematrográfica (não é por acaso que RDC é cineasta, incluir outros planos entrecortados (por exemplo): o da estória do "genial falsário Artur Virgílio Alves Reis" que passando então por “Moçamedes”, ao tempo da estória do Inglês, aí era esperado por "todas as forças vivas e a população em peso"; o da autobiografia do Autor que explica sobre a sua passagem da crença evolucionista darwinista à ideia da complexificação social de Teillard de Chardin; ou ainda, o das "etnografias" que é absorvido pelos demais por toda a economia do livro, pois que quando o próprio autor anuncia que "a etnografia vai entrar em campo", o romance, ou melhor, a poética, não sai de cena. Pelo contrário, incorpora-a no seu discurso literário e faz das "etnografias" uma circunstância da poética, procurando retirar o maior peso simbólico da sua inserção no meio e das ideias e das práticas que o rodeiam, nomeadamente através de um exercício de alteridade com as ideias e práticas que as suas leituras lhe proporcionam, talvez porque reconhece que em "toda a produção ideológica ou intelectual" o iluminismo e o evolucionismo estão implícitos, continuam a comandar a "aferição da qualidade dos homens segundo escalas físicas" e "segundo uma hierarquização das culturas"(Carvalho 2001: 153).
Com este livro, “Os papéis do Inglês”, Ruy Duarte de Carvalho, para além de tudo que já foi dito, ainda reencontra, por um lado, a tradição da oratura que ele já havia trabalhado em outros textos poéticos e, por outro, a nossa tradição narrativa romanesca que foi, nos primórdios, vertida em folhetins por penas como a de Alfredo Troni, em Nga Muturi (publicada no “Jornal de Loanda”, em 1878), a de Pedro Félix Machado, em Romance Íntimo (A Gazeta de Portugal, 1891-1892) e a de António de Assis Júnior, em O Segredo da Morta (A Vanguarda, 1928).

e. bonavena, in semanário Agora
[1] RDC, Os papéis do Inglês, p. 25 e 26.
[2] BAKTHIN, Problemas da poética de Dostoiévski, Forense Universitária, 1981, p. 237.

Ruy Duarte de Carvalho – um intelectual vigilante

Ruy Duarte de Carvalho – um intelectual vigilante


Decorreu, em Luanda, entre 9 e 13 de Fevereiro de 2009, uma “Semana de Homenagem a Ruy Duarte de Carvalho, numa iniciativa conjunta do Instituto Camões, através do Centro Cultural Português e da Associação Cultural Chá de Caxinde que, na ocasião, assinalava os seus vinte anos de existência.
Na ideia de participar nesta semana de homenagem ao Ruy Duarte de Carvalho decidi fazê-lo falando do ficcionista e, particularmente, do seu livro “Os papéis do inglês”, deixando a outros a possibilidade de falarem de outros aspectos da sua obra multimoda.
No entanto, fi-lo em dois tempos: o primeiro, para sublinhar a importância desse acto, justificando-o pela envergadura do intelectual que era homenageado, a partir da ressonância de três dos seus livros que, segundo ele próprio, formam uma trilogia e marcam um período da sua obra: Vou Lá Visitar Pastores (Chá de Caxinde, Luanda, 1999) , Os Papéis do Inglês (Chá de Caxinde, Luanda, 2003) e As Actas da Maianga (Chá de Caxinde, Luanda, 2003), cujos géneros se repartem pela antropologia pós moderna, pelo romance e pela filosofia política, respectivamente.
O segundo momento serviu para me fixar no livro “Os papéis do inglês”. Escolhi falar deste livro por duas razões: a primeira, porque considero este romance do Ruy Duarte de Carvalho um texto sublime que não tem a divulgação que merece. E, por isto, nunca é demais aproveitar mais uma oportunidade para falar dele. A segunda razão é que eu já havia escrito, em duas ocasiões, sobre “Os papéis do Inglês” pois o livro (tendo sido escrito em finais do milénio anterior) foi publicado, sucessivamente, em Portugal (em 2000, pela Cotovia), e em Angola (em 2003, pela Chá de Caxinde). Quando do lançamento do livro em Lisboa (já em princípios de 2001) escrevi uma recensão crítica para a revista Angolé, (dirigida então pelo Albino Carlos e que o Luís Kandjimbo considerava uma revista de cabeleireiro e não compreendia bem por que razão eu escrevia ai uma coluna sobre literatura…, ….enfim!). Escrevi também um texto de apresentação para o lançamento, em Luanda, dois títulos Os Papéis do Inglês e As Actas da Maianga, que acabou por ser lido pelo Jacques dos Santos, pois, por força do adiamento do acto, quando aconteceu estava ausente do país.
Perante o convite para participar nesta “Semana de Homenagem”, primeiro pelo João Pignatelli, o activo Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal, e, depois, pelo Jacques dos Santos, o conhecido presidente da Chá de Caxinde, lembrei-me então de reactualizar a minha leitura do livro e renovar o fascínio pelo “Os papéis do inglês”, partilhando com vocês algumas e breves considerações a respeito.
Porém, nesta crónica fica apenas o elogio ao intelectual, sendo que no próximo texto falaremos de Os Papéis do Inglês.
A homenagem foi sobejamente merecida porque creio que o talento de Ruy Duarte de Carvalho não é mais questionável! E que o Ruy Duarte de Carvalho é um artista de vários ofícios também não é de se discutir: “desenhista”, poeta, cineasta, antropólogo e ficcionista, tendo começado por ser agrónomo, todas estas ferramentas, para lá de outras considerações de ordem estética, ética e social, são postas ao serviço de uma mesma causa: a da cidadania angolana que ele explica como uma “conquista”, um “merecimento” e eu entendo como co-natural a sua comunhão com a Terra que o viu nascer, não como ser biológico, mas como homem que não sabe estar (em Angola) sem ser (angolano).
Ruy Duarte de Carvalho é um intelectual que se afirma e se percebe na sua totalidade que tem marcado o nosso tempo com a sua reflexão laboriosa e produtiva. Um tempo "circular, aflorado pelas tangentes da sorte, dos acasos, cindido pelas secantes do desgosto, accionado a custo pela espiral da idade, à espera que a mola pasme, seno e coseno de algum lugar previsto, consentido, a haver mas sem devir" (Actas p. 96). Uma reflexão que constrói um caminho que vai da "Decisão da idade" a "indecisão da vida" e que vai de "um processo de apreensão", do facto ou do vazio, "à consciência da apreensão" e, finalmente, à “expressão do mal estar da consciência da apreensão".
Ruy Duarte de Carvalho é um intelectual que insiste em olhar o mundo, não propriamente para o ver (mas sem deixar de lhe reconhecer, pelo menos, os contornos) mas para compreender qual o nosso lugar nele e, por este atalho, tentar perceber o seu lugar em tudo isto. E, por isto, não é um intelectual contemplativo mas um intelectual que não sabendo estar sem ser (como disse há bocado), afirma as suas escolhas e propõe para o país, inspirado pelo seu “pragmatismo operativo”, um “programa de grande fôlego”, ou seja, de longa-duração e não meramente circunstancial, que não permitisse jamais a evocação da “necessidade de sacrificar sujeitos, sociedades ou gerações” e em que se propusesse concomitantemente “acções política imediatas aferíveis e, por sua vez, avaliadas segundo os seus efeitos imediatos sobre as populações”. Um programa que fizesse da fome, da saúde e da educação “os problemas maiores da nação”, pois “todos queremos um país normal”, e não mais a reincidência do “pragmatismo bárbaro que tem vigorado até agora, inscrito numa lógica de guerra e de saque, de disputas de acessos, vantagens e privilégios e de apropriação pessoal de bens comuns, ou então de pura e simples sobrevivência, de adaptação e criação de circuitos e de saídas, de resposta adequada e inventiva à incompetência, a inoperância, a arbitrariedade e a deriva do poder, dos poderes” (Actas, p. 144 e ss).
Um intelectual que renunciou ao espírito da “recuperação imediatista”, ao espírito do aproveita a tua parte, que se opõe ao “autismo nacional” e contribui – com a sua reflexão – para “uma lucidez possível” (Actas, 148) como expressão do seu “empenhamento cívico”, o que faz dele um intelectual vigilante que tem consciência (e o afirma) de que "Angola sempre foi maior do que quem a governou e governa e que, independentemente de quem exerce ou disputa o domínio directo ou indirecto sobre ela, há os que nunca perderam de vista uma hipótese de Angola [e dos Angolanos], quer dizer, maior e melhor que todos os poderes que ilustraram o seu passado e têm vindo a ilustrar a sua história recente" (Actas, 51). Um intelectual cujo percurso o conduziu “a esse terreno de luta contra a palavra autoritária” (Rita Chaves).
É, pois de registar como acontecimento feliz a homenagem ao Ruy Duarte de Carvalho, por altura das comemorações dos 20 anos da Chá de Caxinde, não apenas porque ele é um dos maiores expoentes da nossa literatura de todo os tempos, não porque é um dos maiores intelectuais do país, mas também porque é um cidadão angolano comprometido com o seu tempo. Por outro lado, a Chá de Caxinde dá mais um passo na sua afirmação como associação, editora, promotora de variadas formas de cultura e, também, grupo carnavalesco – uma genuína tradição da angolanidade.
O Instituto Camões, que foi parceiro nesta iniciativa, também merece o nosso reconhecimento porque, mais uma vez, contribui para uma maior difusão da cultura angolana, no nosso país, num ambiente de fraca oferta cultural, o que torna mais significativo uma tal semana, também “na bolsa de visibilidades mundanas” do país, como diria o próprio Ruy Duarte de Carvalho nas suas Actas da Maianga (p. 150).

E. Bonavena