terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A EDUCAÇÃO É A PRIORIDADE ESTRATÉGICA DO PAÍS

Ao falar do papel da escola, como instituição central para a revolução do saber e da transformação social no nosso país, pretendo apresenta-la como a “nova escola”, capaz de produzir efeitos rápidos de mudança, como o meio ideal, a instituição central de qualquer plano de desenvolvimento sustentado - como o mecanismo mais seguro de promoção social e articulador de igualdade, coesão e identidade (espírito de pertença).
Nelson Pestana (Bonavena)*

No penúltimo texto que escrevi, defendi que a prioridade do país são a água potável e o saneamento básico. Fi-lo baseado na escuta dos vários actores sociais e para contrapor a cegueira do poder mais afoito para a especulação imobiliária e para o populismo das chamadas “casas sociais”.

Nessa oportunidade, falei da educação e da formação profissional mas não tive espaço para explicitar a minha ideia segundo a qual estas constituem a nossa prioridade estratégica. Aquela que é necessária para produzir uma mudança radical do país, a todos os níveis, sem provocarmos a marginalização dos angolanos, proporcionando-lhes, pelo contrário, uma estrutura de oportunidades mais justa.

A escola é uma instituição chave do desenvolvimento humano pois, para além de ampliar as oportunidades do indivíduo em sociedade, porque garante a todos os cidadãos a oportunidade de desenvolver as suas capacidades, é indispensável ao crescimento económico, para o aumento da quantidade e qualidade do capital humano necessário à produção que é um meio seguro de integração na distribuição da riqueza e, por isto, de combate à pobreza.

Temos pois que ir da prioridade social à prioridade estratégica, investindo fortemente na educação e na formação profissional, sem as contrapor, para nos permitirmos renovar todo o tecido produtivo de forma integrada, não somente para que os angolanos não fiquem a ver o comboio do desenvolvimento passar, criando rupturas e fragilidades na coesão social, mas porque nenhum país se pode desenvolver de forma sustentada e captar investimentos se não poder oferecer, a par das infra-estruturas de base, mão-de-obra qualificada. Neste sentido, não devemos pensar a educação como uma despesa mas como um investimento.

Por isto, é absolutamente necessário colocar mais dinheiro na educação e na formação profissional mas, sobretudo, é preciso pensar a educação como um processo de interacção com a vida profissional e ligá-la à formação profissional e contínua.

José Cerqueira, economista reputado, disse, em entrevista ao Jornal de Angola, que vale a pena endividar um pouco mais o país para investir no bem-estar dos cidadãos. Estou absolutamente de acordo com ele, mas já não nas escolhas que faz para o desenvolvimento do país no que toca ao meio rural. O importante é que esse dinheiro seja investido da melhor forma. A melhor forma de investir o dinheiro a mobilizar lá fora é na educação e formação profissional.

Mas, neste caso, esse dinheiro não deve servir para dar continuidade à escola actual. É preciso um ponto de partida mais amplo. Não basta promover uma reforma curricular (algumas vezes mal alinhavada), propagandear estatística de salas construídas (muitas vezes, sem equipamentos, nem professores…) é preciso repensar a escola (desde a primeira infância) e a educação no sentido mais amplo, em todas as suas envolventes.

A nova escola tem que ser articuladora do processo de aquisição do conhecimento e da selecção da informação que hoje, as novas tecnologias, permitem colocar à disposição de todos, de forma gigantesca. O problema é a capacidade de selecção e articulação para processar essa informação, tornando-a funcional, prática e produtora de respostas adequadas à demanda da vida produtiva e social.

O poder não pode deixar de investir na melhoria das condições de reprodução social da mão-de-obra, por razões políticas e económicas evidentes. O Príncipe deu-se conta que não era possível montar o Estado corporativo que lhe permitisse o controlo do poder por um bom par de anos, apenas assente no golpe eleitoral, sem o organizar em torno de uma certa ideia de justiça. A minha intenção é combater o Estado corporativo sem desaproveitar o investimento social e educativo que a sua articulação obriga o Príncipe a conceder à Nação. Não quero “deitar fora o bebé com a água do banho” - como diriam os franceses.

E, por isto, entrei, desde o texto passado, no terreno da negociação. Não tenho nenhum problema em pisar esse terreno a bem de um projecto comum de desenvolvimento do país. Isto, em nada me compromete, nem em relação aos meus ideais, nem em relação a minha acção cívica e política. Desde logo, porque não aceito negociar a minha pauta ética e o meu direito de crítica. Da mesma maneira que nunca aceitarei contribuir para uma agenda da letargia, da renúncia e do esquecimento.

Ao falar do papel da escola, como instituição central para a revolução do saber e da transformação social no nosso país, pretendo apresenta-la como a “nova escola”, capaz de produzir efeitos rápidos de mudança, como o meio ideal, a instituição central de qualquer plano de desenvolvimento sustentado - como o mecanismo mais seguro de promoção social e articulador de igualdade, coesão e identidade (espírito de pertença).

Essa escola implica um grande investimento que devia reflectir-se já no OGE de 2009. A reivindicação da FpD de colocar 30% do OGE para a educação e formação profissional pode ser tida como um exagero, mas, se assim for, esse investimento não deve ficar abaixo dos 20% sob pena de nos continuarmos a atrasar em relação aos demais países da SADC. Não é possível ser uma potência na região e em África sem um considerável nível de desenvolvimento educacional.


*Cientista político

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DA JUVENTUDE ANGOLANA

A juventude angolana não é amorfa, tem é mostrado uma outra realidade que os poderes pretendem ignorar. No geral, não participa em movimentos associativos, sociais e reivindicativos mas organizou formas de resistência próprias através do espaço cultural (indumentária, música e teatro) e nas comunidades locais (familiares, linguísticas ou religiosas). Para além disto, é preciso considerar o silêncio que também é uma forma de manifestação e a expressão do seu protesto.

Introdução

Parece que a imagem do jovem sinónimo de refractário da política está muito disseminada entre nós. E, daí a importância do tema escolhido pela associação Omunga para esta conferência: “A participação política da juventude angolana”. Sobretudo porque vivemos numa sociedade fechada, cujo modelo de governação permanece numa lógica de controlo da sociedade e desta sobre os seus membros.
Mas, quando penso num tema destes, a primeira preocupação que me ocorre é a da necessidade de uma precisão de conceitos, para saber o que é isso de ser jovem e o que é que significa a expressão “participação política”.

A juventude é um momento de passagem entre a adolescência e a vida adulta. É, por isto, um conceito cronológico, um momento do desenvolvimento biológico e intelectual do homem. Embora neste capítulo, Jean-Paul Sartre afirmasse que “ a juventude não é uma idade mas uma maneira de estar na vida”. E, neste sentido, segundo o filósofo francês, podia-se ser adulto e manter-se um espírito jovem, e ter-se juventude física e ser-se espiritualmente velho. O fundador do existencialismo entendia pois a juventude como a condição de irreverência em relação aos desafios da vida e a velhice como o conformismo. Ou seja, para Sartre a juventude é ao mesmo tempo um estilo de vida e uma força inconformista, renovadora.

A juventude, sendo um momento do percurso social do Homem que está ligado a determinadas percepções e expectativas, tem sempre um papel preponderante, porque afinal, não há sociedade sem juventude. O papel dos jovens sempre foi fundamental na história política e social do país e, não pode deixar de constituir um factor determinante na transformação social do país.

Grandes líderes nacionais, africanos, americanos, asiáticos e europeus começaram por ser militantes de organizações juvenis, começaram por ter participação em movimentos associativos, em vários domínios (político, cultural e social, estudantil e outros) que funcionaram para eles como verdadeiras escolas de formação cívica.
Nelson Mandela começou por ser membro da juventude do ANC, Agostinho Neto, antes mesmo de ter militado no Mud-juvenil, fez parte da juventude evangélica da Igreja Metodista e participou no jornal cultural do Liceu Salvador Correia, o Estudante. Muitos dos militantes nacionalistas passaram primeiro, e fizeram uma espécie de aprendizado nas organizações juvenis religiosas. A maior parte dos actuais dirigentes políticos passaram por organizações de jovens. O actual Presidente da República foi dirigente de uma organização juvenil. A participação nos movimentos estudantis proporciona aos jovens uma outra visão do mundo. O célebre movimento de estudantes de Maio 1968, em França, mudou o mundo. O movimento de resistência dos estudantes de Soweto mudou a África do Sul e levou ao fim do apartheid.

Definir “participação política” implica descortinar dois conceitos, o de “participação” e o de “política”. Começo por encontrar uma definição de “política” para depois pensar o entendimento de “participação” e, consequentemente, de “participação política”.

Quando se fala de política não rara vezes a primeira coisa que se faz é esclarecer a origem etimológica da palavra do grego politiké (cujo sentido seria o de ciência dos assuntos da polis). Muitas abordagens do tema, definem a política como sendo a organização do poder numa comunidade. Em sentido lato, a política é a forma de organização e funcionamento de uma sociedade. A política é pois uma forma de defesa do interesse comum dos membros de uma comunidade. A política, como forma de organização e funcionamento da polis, visa um interesse universal que diz respeito a todos e não apenas a alguns, como é o caso das formas pré-politicas identificadas por Aristóteles, como é a oikos.o Somente num sentido restrito, a política é associada às lutas pelo controlo e exercício do poder.

Afinal, este conceito não é estanque, e tem evoluído com o decorrer dos tempos, correlacionando-se com outros conceitos. A ideia de que a política refere-se a questões do interesse comum da comunidade, está associada à ideia de espaço comum, de espaço público, onde intervêm uma pluralidade de autores interessados na melhor gestão da res publica. Mas, também está ligada às formas de decisão sobre esse interesse comum.

A política teria assim, três sentidos; o de forma de domínio, o de tecnologia da gestão do interesse comum e o de uma relação de poder.

A participação é entendida como a possibilidade de fazer parte dessa res publica, da sua gestão, dos processos de escolha e decisão. A participação política deve pois ser entendida como fazer parte do espaço público, das escolhas e decisões políticas que dizem respeito a todos.

Apurados os dois conceitos que balizam o nosso tema, creio que para falar da “participação política da juventude angolana”, temos que o fazer em dois momentos: (1) a juventude e a sociedade (relação formação, integração, alienação) e (2) a relação da juventude com a política, ou seja, o processo de tomada de consciência da juventude que a levará à apropriação da política e do espaço público. Para, finalmente, tirar algumas e breves conclusões.

I. A juventude e a alienação na sociedade

É comum afirmar que cada sociedade constrói a sua juventude à sua própria imagem (FORACCHI, Marialice M., 1965, O Estudante e a Transformação da Sociedade Brasileira, São Paulo, Nacional). O nosso país está refém de um poder de predação desde algum tempo. E, desde há alguns anos que se tem a ideia de que os jovens apenas se deixam atrair por “maratonas”. Esta instituição (a “maratona”) foi uma criação do partido de poder para “alienar” os jovens que no dealbar da independência se apresentavam muito implicados com os destinos do país, com as ideias revolucionárias, com o inconformismo.

As representações da sociedade angolana refém dessa economia política de predação seriam tendentes a valorizar e a estimular determinados comportamentos dentro de limites que ela própria estabeleceu e que são os limites da sua legitimação e da sua continuidade, destruindo a capacidade de autonomia da juventude.

Por isto, é que hoje, a ideia que se tem é que os jovens não se interessam pela política, ou pelo menos, não têm participação política. São apáticos em relação aos destinos do país e remetem essa tarefa que lhes é estranha para o “boss do cadeirão maior”. A vida dos jovens poderia pois resumir-se a um estado contemplativo, de pouca entrega para o saber, de permanentes sentadas alcoolizadas, onde se discute futebol, música, o enredo de um esquema e uma ou outra cena cómica da vida.

Esse desinteresse dos jovens pela política estaria associado ao facto de eles não encontrarem nos políticos nenhuma proposta que os seduz, pois estes não reflectem no seu discurso as principais preocupações dos jovens. Estas preocupações seriam a pobreza, o acesso à educação, ao emprego e à habitação.

É claro que os jovens mostram também uma grande desinformação sobre a política, já que os seus meios de (des)informação são os órgãos de comunicação social do Estado, com uma preferência pelos programas de diversão, a despeito dos formativos ou informativos.

A ausência de mecanismos que estimulem a participação dos jovens é consabida. Da mesma maneira que poucos são os mecanismos de participação de todos os cidadãos no espaço político.

Estudos sobre os jovens mostram que estes são mais afoitos a participar em associações religiosas ou desportivas. O que demonstra que não há menor participação dos jovens por falta de disposição ou mesmo desinteresse, mas sim porque não há mecanismos que estimulem e promovam o acesso à informação e a inclusão das pessoas, e nomeadamente dos jovens, na política do país.

A pressão da sociedade para que os jovens se afastem da política, não de uma carreira no Estado (isto é, no partido-Estado) é grande. À esta pressão (sociedade/jovem) contrapõe-se a uma pressão dos jovens sobre a sociedade. O equilíbrio destas duas forças está na sua conjugação e auto-preservação. Mas há um momento em juventude e sociedade hão de ter fricções, choques pois a sociedade nem sempre consegue cumprir com os seus compromissos para com a juventude (ou pelo menos com aquilo que a juventude acha que é o compromisso da sociedade em relação a ela). A percepção que os jovens têm de si mesmo é que eles não contam para nada, mesmo quando se repete o slogan (esvaziado): “a juventude é futuro de uma nação”.

Mas, apesar desse olhar devolutivo de sinal negativo, a juventude representa uma força dinamizadora do sistema social. E por isso vai procurar transforma-lo. A escolha dos meios e dos objectivos pode ser condicionada pela maneira como se lidar com os jovens no presente. “Quem semeia ventos, colhe tempestades! – diz o ditado.

Que imagem a sociedade está formando no jovem? E qual a imagem devolutiva do jovem sobre a sociedade? Pela sua função a juventude, sendo uma sua criação, não será reflexo da sociedade que ela contesta. Pelo contrário, a sociedade é que será o reflexo da sua juventude. Há pois um “parto” anunciado da juventude em relação à sociedade. Este nascer de (que implica em termos simbólicos um separar-se de e um corte do cordão umbilical) não significa uma perda mas uma superação da sua “alienação” do espaço público.

Na medida da sua consciencialização sobre a sua “alienação” do espaço público, a juventude vai dotar-se de mecanismos de superação que o conduzam a autonomia (auto + nomos).

II. A juventude e a política

Um desses mecanismos é a participação política. Pois, a etapa da vida que é a juventude é um momento privilegiado para o despertar para as questões da polis. É normalmente o tempo das interrogações fundadoras do ser humano e, entre estas, estão as referentes a vida da comunidade de pertença.

Vimos, no entanto, que os canais de socialização dos jovens não estimulam a sua participação no espaço público e, nomeadamente na esfera política ou na gestão da res publica. Também porque o país vive um momento particular de desenvolvimento e os nossos jovens estão mais tolhidos por necessidades primárias, já que as suas expectativas não são correspondidas.

É comum acusar os jovens de hoje de não ter mais utopias, de serem muito consumistas, imediatistas, interesseiros, de estarem completamente alienados pelo sistema que os formatou, incorporou e os absorve. Para essas pessoas apenas as gerações passadas são a grande referência.

Mas, a juventude é uma espécie de barómetro social, onde o mercúrio sobe ou desce em função do aquecimento social. Uma sociedade asséptica, cujo cordão sanitário político (mantido por uma policia de contra-inteligência) não permite a menor manifestação dos jovens está em sinal de alerta vermelho. Tudo vai bem, ou tudo vai mal.

O que temos que saber é o porque dessa maneira de estar na sociedade da juventude de hoje, e, nomeadamente em relação à política.

Acontece que a política continua a ser associada a uma actividade de risco. A velha expressão; “Xé menino não fala política”, contínua a perdurar.
Todas as iniciativas de participação em associações ou fóruns locais que não sejam entendidos como prolongamentos da governação (que é entendida como uma coisa diferente da política) e como auxiliares do “governo”, são vistas com desconfiança, são cooptadas, controladas ou perseguidas.

Glosando Dom Hélder da Câmara, célebre bispo brasileiro que se opôs à ditadura militar, pode-se dar pão aos pobres, mas não se pode questionar o porquê dos pobres não terem pão”. As coisas são como são e por isso não devem ser questionadas - este é um pensamento impulsionador do conformismo que está subjacente à actuação do poder político no país.

O que quer dizer que há também necessidade de alteração da organização política do país, de maneira a modificarmos a estrutura de poder político e a construir uma sociedade aberta, de livre iniciativa e emulação de ideais, também no espaço político, de modo a incluir nos processos de decisão e execução das políticas públicas a pluralidade de sujeitos e, particularmente todos aqueles que são directamente interessados ou atingidos por esta política pública.

A juventude tem a potencialidade de ser a principal camada social a promover este reordenamento político, tanto pela sua disposição em participar na construção do seu próprio destino, quer pela sua importância e expressão sociais.

III. Conclusão

Tem pois que romper com o conformismo. E assumir uma cidadania activa, em casa, na escola, no bairro, no município, na província e no país.

A juventude deve desde já construir a sua intervenção social unificada, de modo a exercer maior influência de decisão sobre a política em geral, seja nos movimentos sociais e reivindicativos, seja na política institucionalizada. Isto é gerador de grandes e importantes conquistas sociais para todo o país e para todos (jovens, famílias, comunidade).

Permite promover a inclusão política que é uma das componentes da cidadania activa. O país precisa de investir em políticas sustentadas para a juventude sobretudo quando se sabe que a estrutura etária do país é muito jovem, perfazendo cerca de 60% da população menor de 18 anos.

A própria sociedade precisa dessa participação e intervenção dos jovens, pois ela permite uma renovação dos quadros dirigentes. A experiência mostra que os jovens que participam dos movimentos associativos, sociais e reivindicativos acabam por ocupar posições de relevo na sociedade.

A juventude organizada e consciente dos seus direitos e deveres promove sempre renovação e transformação. Enquanto que a juventude alienada do seu papel social reproduz o modelo da sociedade vigente e, não só perpetua formas de injustiça, como hipoteca o seu (e o nosso) futuro. Pois a ausência de jovens na política provoca desequilíbrios na sociedade.

A juventude angolana não é amorfa, tem é mostrado uma outra realidade que os poderes pretendem ignorar. No geral, não participa em movimentos associativos, sociais e reivindicativos mas organizou formas de resistência próprias através do espaço cultural (indumentária, música e teatro) e nas comunidades locais (familiares, linguísticas ou religiosas). Para além disto, é preciso considerar o silêncio que também é uma forma de manifestação e a expressão do seu protesto.

Por isso, a juventude é uma etapa cronológica da vida, é uma entidade inerente ao homem social, é uma potencialidade rebelde e inconformista mas sobretudo sintetiza a possibilidade de uma força de pronunciamento no processo histórico de desenvolvimento do país.

O que precisa é assumir o seu lugar e tempo. As gerações passadas podem ser referência para os jovens de hoje, mas não podem coloniza-los, impedindo que estes cumpram o seu próprio tempo.

Cada geração tem o seu tempo e contexto e deve vivê-los. Assumindo a sua autonomia e visão crítica própria
Nelson Pestana (Bonavena)
Cientista político e investigador-coordenador do CEIC/UCAN

O PRÍNCIPE PERPÉTUO E A FOME

Enquanto o príncipe pretende tornar-se perpétuo, grassa a fome nos Gambos, onde morrem todos os dias pessoas – segundo as notícias que nos chegam pela voz das ONGs que lá trabalham. O dito plano de segurança alimentar não se tem revelado eficaz, apesar de utilizado como propaganda de boa governação, como aconteceu no recente debate, de fim-de-semana, da RNA.
Nelson Pestana (Bonavena)*

José Eduardo dos Santos aproveita, mais uma vez, uma reunião do comité central do seu partido para dar orientações ao país, bem no estilo do partido único, mesmo se a conjuntura actual o obrigue a algumas inflexões retóricas. Em vez de escrever à Assembleia Nacional ou fazer um discurso aos deputados, fala aos seus pares e, por intermédio deles, através do eco da comunicação social, a todos nós.

Para ele a questão mais importante para o país é a Constituição e, por isto, vai constituir uma comissão ad-hoc para redigir um texto constitucional que vai ser, “eventualmente”, submetido à “discussão alargada antes da sua aprovação pelo parlamento”, pois, segundo ele, há, no país, duas correntes sobre a forma de eleição do Presidente da República: uma que acha que o Presidente da República deve ser eleito por sufrágio directo dos cidadãos eleitores e outra que defende que o mais alto magistrado da Nação deve ser eleito por sufrágio indirecto, através dos deputados à Assembleia Nacional.

Para mim isto é uma grande novidade. Na verdade, nunca ouvi ninguém se pronunciar sobre a forma de eleição do Presidente da República que não fosse através do sufrágio universal e directo que é o que está consagrado na Constituição e que sempre fez unanimidade.

Melhor, a forma de eleição do Presidente da República nunca foi objecto de debate, mesmo se eu escrevi, há uma determinada altura, que não tendo havido condições para realizar a segunda volta das presidenciais de Setembro de 1992, não se devia ter adoptado uma solução oposta à lei mas fazer uma emenda transitória à Constituição, no sentido do Presidente da República ter sido eleito pela Assembleia Nacional saída do escrutínio de Setembro de 1992, já que este era o único órgão de soberania com legitimidade popular. Mas essa minha observação circunstancial não teve nenhum eco no meio dos políticos e constitucionalistas angolanos.

O presidente-deputado disse também que somente depois de aprovada a nova constituição a eleição do presidente da República se fará. Torna pois a estabelecer um linkage entre a aprovação da “nova constituição” e a realização de eleições. O compromisso por ele assumido, depois de aconselhado pelo Conselho da República, de realizar eleições presidenciais em 2009 não é relembrado. Paira sobre a bruma da política nacional.

Isto significa que dos Santos não quer se submeter a eleições presidenciais do estilo republicano, com apresentação de candidaturas e defesa dos seus argumentos perante os cidadãos. Ele prefere um processo distante que o salvaguarde dos incómodos de uma campanha na primeira pessoa.

Para lá do que isso significa, o mais importante é assinalar que mais uma vez JES recorre a sua habitual forma inquinada de “negociar” o contrato social. A proposta que está subjacente é facilmente perceptível: da cidade alta ao alto das cruzes, com honras e garantias absolutas de continuidade.

Sendo assim, por muito antipático que possa ser o personagem, o paradigma de “negociação” que JES nos propõe é o da transição de Pinochet a contrario. Este ditador do Chile foi o protagonista do golpe de Estado que derrubou o governo democrático dirigido por Salvador Allende. Após uma forte repressão da resistência republicana e democrática, Pinochet apostou numa nova forma de legitimidade que passou pelo desenvolvimento económico e pela constituição de uma classe média fortemente interessada nesse novo Chile.

Quando percebeu que a sua grande fragilidade era a legitimidade política e que a ditadura não podia ser mantida por muito tempo, fez da legitimidade económica e social moeda de troca e negociou a sua saída do poder através de referendo. Organizou o plebiscito sobre a continuidade do seu poder e perdeu (o referendo) por uma estreita margem de quatro/cinco pontos, mas aceitou os resultados e deixou a Presidência da República, tornando-se senador vitalício, depois de ter concordado na redemocratização do país, tendo organizado eleições presidenciais sem a sua presença.

Esta negociação valeu-lhe, anos mais tarde, ser defendido pelo Governo democrático do Chile das mãos da justiça britânica. O ministro dos Negócios Estrangeiros, do Chile, um antigo resistente que este muitos anos nas cadeias de Pinochet, que viu alguns dos seus familiares desaparecerem nas masmorras do general chileno, foi lá busca-lo, em nome da unidade e da salvaguarda da paz civil no seu país.

No caso do nosso país, José Eduardo dos Santos, depois de trinta anos de poder, não quer negociar a sua retirada. Pelo contrário, quer que a nação aceite a sua continuidade vitalícia. Depois do golpe eleitoral, o que tem a nos propor é a sua “eleição”, como candidato único e de mão levantada.

Esta proposta, cuja a meta é o poder vitalício, quiçá a imortalização do seu poder através da sucessão de sangue, é extrema e pode significar, não somente a morte do processo de transição para a democracia mas igualmente o fim da política, pois, a ser assim, o poder volta a identificar-se completamente com o corpo místico do monarca absoluto, em quem se concentra a “política”, a economia, o social, o “sagrado” (o saber?) e a violência.

Mas, enquanto o príncipe pretende tornar-se perpétuo, grassa a fome nos Gambos, onde morrem todos os dias pessoas – segundo as notícias que nos chegam pela voz das ONGs que lá trabalham. O dito plano de segurança alimentar não se tem revelado eficaz, apesar de utilizado como propaganda de boa governação, como aconteceu no recente debate, de fim-de-semana, da RNA.

* Cientista político