segunda-feira, 26 de março de 2012

VIRIATO DA CRUZ (25 de Março de 1928)

Mamã negra
(canto da esperança)

(À memória do poeta haitiano Jacques Roumain)

Tua presença, minha Mãe - drama vivo duma Raça,
Drama de carne e sangue
Que a Vida escreveu com a pena dos séculos!

Pela tua voz
Vozes vindas dos canaviais dos arrozais dos cafezais
[dos seringais dos algodoais!...
Vozes das plantações de Virgínia
dos campos das Carolinas
Alabama
Cuba
Brasil...
Vozes dos engenhos dos bangüês das tongas dos eitos
[das pampas das minas!
Vozes de Harlem Hill District South
vozes das sanzalas!
Vozes gemendo blues, subindo do Mississipi, ecoando
[dos vagões!
Vozes chorando na voz de Corrothers:
Lord God, what will have we done
- Vozes de toda América! Vozes de toda África!
Voz de todas as vozes, na voz altiva de Langston
Na bela voz de Guillén...

Pelo teu dorso
Rebrilhantes dorsos aso sóis mais fortes do mundo!
Rebrilhantes dorsos, fecundando com sangue, com suor
[amaciando as mais ricas terras do mundo!
Rebrilhantes dorsos (ai, a cor desses dorsos...)
Rebrilhantes dorsos torcidos no "tronco", pendentes da
[forca, caídos por Lynch!
Rebrilhantes dorsos (Ah, como brilham esses dorsos!)
ressuscitados em Zumbi, em Toussaint alevantados!
Rebrilhantes dorsos...
brilhem, brilhem, batedores de jazz
rebentem, rebentem, grilhetas da Alma
evade-te, ó Alma, nas asas da Música!
...do brilho do Sol, do Sol fecundo
imortal
e belo...

Pelo teu regaço, minha Mãe,
Outras gentes embaladas
à voz da ternura ninadas
do teu leite alimentadas
de bondade e poesia
de música ritmo e graça...
santos poetas e sábios...

Outras gentes... não teus filhos,
que estes nascendo alimárias
semoventes, coisas várias,
mais são filhos da desgraça:
a enxada é o seu brinquedo
trabalho escravo - folguedo...

Pelos teus olhos, minha Mãe
Vejo oceanos de dor
Claridades de sol-posto, paisagens
Roxas paisagens
Dramas de Cam e Jafé...
Mas vejo (Oh! se vejo!...)
mas vejo também que a luz roubada aos teus
[olhos, ora esplende
demoniacamente tentadora - como a Certeza...
cintilantemente firme - como a Esperança...
em nós outros, teus filhos,
gerando, formando, anunciando -

o dia da humanidade

O DIA DA HUMANIDADE!...

(in No reino de Caliban II - antologia panorâmica de poesia africana de ex-
pressão portuguesa)

Do Viriato da Cruz gosto de todos os seus poemas. Mas este é o meu preferido, também pelo seu universalismo.

domingo, 25 de março de 2012

Pedrito cantor, cidadão e humano

“A riqueza está mal distribuída”

Pedrito, cantor angolano, foi entrevistado pelo hebdomadário Angolense, este fim-de-semana (23 de Março) e falou dos seus 40 anos de carreira, explicando a sua trajectória artística e as suas opções temáticas, nos diversos contextos políticos que o país viveu, desde o período colonial.

Nesta entrevista Pedrito revela-se um cidadão atento e sensível à questão social. Falando do momento político actual diz que “ainda sentimos dificuldades, somos mal entendidos, por fazermos uso da nossa livre opinião. Nada está escrito mas, na verdade, há uma espécie de autocensura, sem mais nem menos, precisamos de um ambiente transparente”.

Em relação à rota que levará à afirmação do país, Pedrito diz que é necessário abandonar “os antigos métodos”, é preciso uma “transparente gestão dos bens do Estado” e é imperioso que os “rendimentos do Estado beneficiem a vida do cidadão comum”.

Acreditando na cultura como vector de transformação, criou o tema “Humano e Cidadão” e insiste que “precisamos de solidariedade que seja sentida entre nós, angolanos, da cúpula à base”, reconhecendo direitos iguais a todos, “ricos ou pobres”. O caminho é trabalhar “para evitar o cinzento quadro no qual uns conseguem tudo e outros nem podem sonhar com nada – esses são os miseráveis”. Pois, sendo Angola um país rico, “no seu conteúdo humano”, “no seu subsolo, nas suas bonitas paisagens mas tal riqueza deve ser transformada em bem-estar palpável para que todos possamos sentir a consequente satisfação social”.

Pedrito, a terminar, afirmou sem ambiguidades que “a riqueza está sendo mal distribuída” e temos “graves problemas sociais”, nomeadamente “o desemprego que afecta a juventude”. Acrescenta, a título de recado, que o país deve ser bem dirigido, institucionalizando-se a prática da solidariedade entre nós e que “todos dirigentes angolanos devem convencer-se que o Chefe é o Povo” ou, como diria a Constituição da República, “ a soberania reside no Povo”, os governantes são apenas servidores públicos que devem fazer bem o seu serviço e prestar contas ao Povo.

Sem um bom governo e um sentido de serviço público da parte dos dirigentes, “levaremos muito mais tempo para alcançarmos o almejado desenvolvimento”, arremata o cantor que diz que participa através da consciencialização e do alento da esperança aos seus concidadãos.

BD -sic