José Eduardo dos Santos disse: não vai haver mais eleições presidenciais (nem directas, nem indirectas). O modelo constitucional proposto por ele não é típico, nem atípico, não é próximo, nem distante do sul-africano; é o seu próprio modelo que não é um modelo de eleições presidenciais porque, de facto, acaba com elas.
José Eduardo dos Santos revelou uma nova faceta, na sua longa e cansativa carreira política: a de inventor de modelos políticos. Inventor sim, porque o modelo explicitado não existe em mais parte alguma, é uma verdadeira invenção e merecia figurar no Guiness book.
Uma eleição universal, directa, em que o presidente é cabeça de lista, podendo ser formalizada pela Assembleia Nacional, parece ser um "non sense", qualquer coisa que não faz sentido porque é contraditória nos seus próprios termos. Desde logo, porque não se vota para um órgão uninominal por lista. Mas, passado esse momento de estranheza, compreende-se bem o que José Eduardo dos Santos disse: não vai haver mais eleições presidenciais (nem directas, nem indirectas). O modelo constitucional proposto por ele não é típico, nem atípico, não é próximo, nem distante do sul-africano; é o seu próprio modelo que não tem nada a ver com as eleições presidenciais porque, de facto, acaba com elas.
Uma eleição indirecta (típica) é aquela em que o Presidente da República, em vez de ser eleito directamente pelo conjunto dos cidadãos, é eleito por um colégio eleitoral, previamente escolhido pelos cidadãos. Ao propor aquilo que chamou “eleição indirecta atípica”, ele inventou um modelo político em que não há eleição do Presidente da República. Este passa a ser indicado pelos aparelhos partidários, desde que a sua lista seja vencedora nas eleições legislativas. Este modelo “atípico” que afasta os cidadãos da esfera política e reduz drasticamente a sua soberania, transferindo-a para os aparelhos partidários, surge para confortar a vontade do Príncipe de se ver legitimado retroactivamente, porque foi cabeça de lista do partido vencedor das eleições legislativas de 2008 (daí o empenho na grande batota) e para elidir as eleições presidenciais republicanas que deveriam ter lugar este ano, segundo o compromisso que assumiu com o país, em 2006, reiterado na campanha eleitoral e na sequência, afinal, de muitos outros, também não honrados.
Depois da sua declaração, muitas perguntas se colocaram e outras tantas explicações foram procuradas pelos mais diversos sectores da sociedade. Não faltou quem quisesse saber o que diz a Constituição sobre a matéria. Ora, a Lei Constitucional diz que o Presidente da República deve ser eleito, de cinco em cinco anos, e não pode exercer o poder para lá de quinze anos. O que está aqui em causa é a alternância política mas também evitar-se o poder vitalício, próprio dos poderes absolutos. Então como não vai haver eleições este ano, nem no próximo, nem nos vindouros, vamos continuar com um poder vitalício, ilegítimo, autoritário e corrupto como temos vivido até agora. Com uma diferença, é que a Constituição vai ser reescrita para autorizar todas estas práticas e não será, como todos gostaríamos, o poder a reintegrar a ordem constitucional democrática. Alguns dirão, mas afinal já vivemos essa inconstitucionalidade desde há muito tempo. É verdade, o poder mantêm-se por força do "golpe de Estado permanente", ou seja, governa contra a Constituição e contra a vontade do soberano que é o povo.
A vantagem que o Príncipe vê nisto é a de se perpetuar no poder sem ser submetido ao escrutínio popular. É pois uma machadada na soberania do Povo, nos termos da Constituição, é um verdadeiro recuo no sistema político e no catálogo de direitos e liberdades dos cidadãos. Com este modelo deixa de haver candidatos, e muito menos candidatos independentes, emanados directamente dos cidadãos sem partido, já que não há mais eleição presidencial e toda a vida política passa a estar dependente do espartilho dos aparelhos políticos. Na verdade, um dos objectivos do dito “novo ciclo” político foi o de afastar a política, a escolha, a decisão sobre a res publica dos cidadãos. Em termos analógicos, estamos em presença de um retorno ao partido único que como vanguarda do povo, escolhe sabiamente em seu nome.
A anunciada IIIª República será então uma República das bananas, com toda a Nação submetida aos caprichos de um ditador (e da sua corte) e de um poder sustentado pela fraude e pela violência, num quadro de progressiva contracção económica e grave crise social. O Presidente da República sempre atropelou a Constituição mas desta vez foi longe demais. Isto é uma ofensa a todos nós. Teria sido mais apropriado e melhor para o país anunciar a negociação de uma dinastia que respeitasse a Democracia e a ordem constitucional.
Nelson Pestana (Bonavena)
Sem comentários:
Enviar um comentário