segunda-feira, 28 de maio de 2012


A ARITMÉTICA DA MORTE
à memória dos meus amigos

I

Como morreu
o meu amigo Kimpwanza,
cercado de lama,
com o cheiro das flores,
entre as narinas,
... embalado pelo murmúrio da noite
e uma bala trespassando-lhe
a garganta,
levado pelas águas revoltas do rio,
onde se diluiu o sangue imberbe
de estudante universitário
e revolucionário...

II

Igualmente,
pereceu Wandalika;
... era cacimbo no planalto,
o pelotão de jovens soldados,
percorrido por um vento frio,
saraivou à altura do peito,
medalhando para sempre,
o professor primário
que acreditou nas contas da vida
até a última centelha
e engordou o sonho
da jubilação: o reencontro dos angolanos
- como ele dizia -
misturando o seu falar a
uma citação bíblica!

III

Na verdade,
Kimpanzwa lia Mao
e falava do Povo,
Wandalika, ele
o próprio povo, eleito
e transbordante de fé,
falava de Deus.

IV

Assim,
acreditando na utilidade
desta aritmética da morte,
se finaram os meus amigos,
precoce e nobremente
mas sem construir
o sonho que lhe lhes soprava a vida.

Apenas me legaram
este dever de memória!...

V

Mas,
diante desta campa rasa
onde anónimo deposito flores,
esta campa rasa que podia ser
a do meu amigo Nado,
a do meu colega Cangosso
ou a dos meus primos Xandoca e Jacob;
a campa rasa do Elisiário, do Abel ou
a de tantos outros,
devo dizer-vos -
olhos tristes, coração desfeito,
por este sentimento coagulado
que trago no peito, a dor
da ausência e o sonho imperfeito -
Devo dizer-vos que
a memória não é azeda,
luz e necessidade vital
da nossa identidade,
Não traz pão à boca
das novas gerações!

E. Bonavena
(in Os Limites da Luz, impresa nacional-casa da moeda, 2003)
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