Michael Schudson, professor de Comunicação na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, diz que os media favorecem Obama na sua cobertura da campanha eleitoral. Isso acontece porque ele é o recém-chegado inesperado, é jovem e invulgar.
Já Hillary Clinton é "demasiado familiar". Autor de vários livros sobre história e sociologia dos media americanos, não vê nada de errado em dizer que "política é entretenimento": já na América do século XIX o eraO professor norte-americano Michael Schudson afirma que o que os media estão a avaliar são as capacidades dos candidatos em campanha, o que pouco diz sobre o que serão como presidentes. Nos tempos que correm considera que um candidato à Presidência americana "seria louco" se não fosse a programas de humor como o de Conan O"Brien ou de John Stewart. Schudson veio esta semana a Portugal dar uma conferência sobre Cidadania e Media na Fundação Luso-Americana e participar em seminários do mestrado em Ciências da Comunicação na Universidade Católica de Lisboa. Hillary Clinton tem-se queixado que os media gostam mais de Barack Obama do que dela e que isso a tem prejudicado...Obama tem alguma vantagem na cobertura mediática. A verdade é que ninguém o conhecia nem sabia nada sobre ele; Hillary é familiar, talvez demasiado familiar, há cobertura noticiosa sobre ela há duas décadas. Ele permanece um desconhecido, tem uma carreira curta, é uma folha em branco e é o recém-chegado. Junta ainda o facto de ser novo, jovem e invulgar. Os jornalistas procuram novidade e esse factor é muito importante. Se eliminarmos estes factores, em termos de ideias não se distinguem assim com tanta facilidade. Os media têm-no favorecido apenas por ser uma novidade ou porque é o seu candidato preferido?O governador da Pensilvânia, Ed Rendell [apoiante de Clinton], atacou os media dizendo que eles não gostam de Hillary. A mera novidade de Obama é um factor, a isso junta-se uma agilidade em campanha que ninguém esperava. Os jornalistas que seguem os candidatos só podem julgar as suas capacidades enquanto candidatos em campanha, não estão a avaliar nem conhecem as suas capacidades como presidentes. Obama, como recém-chegado, é notável. Mas essa é a ponta do icebergue presidencial. O facto de a televisão ter grande preponderância na campanha e de Obama ser telegénico tem peso?Ele emana autenticidade e parece ser uma pessoa confortável consigo mesmo no seu papel e, convenhamos, ele não devia estar tão confortável [risos]: é novo e está pouco habituado aos holofotes dos media nacionais. Não terá atrás de si uma forte equipa de peritos em media que o treinam?Ele é descontraído, mas não de mais. Se fosse possível aprender a fingir assim, todos os políticos teriam um livro de regras.No seu livro O Poder das Notícias diz que Reagan foi retratado pelos media que o seguiram em campanha como "um grande comunicador" e "um tipo porreiro" e que isso teve alguma importância na sua vitória. O mesmo pode acontecer com Obama?Os jornalistas americanos, especialmente dos media nacionais, estão mais à esquerda do que o resto da população, e mesmo assim ficaram impressionados com Reagan e gostaram de cobrir a sua campanha. É um bom exemplo de como a cultura profissional dos jornalistas se sobrepõe às suas ideias políticas. Obama está mais perto das suas inclinações políticas. Diz que os críticos olham para o poder dos media como sendo como o do Super-Homem quando não passa de Clark Kent? Esse suposto favoritismo dos media não dá mais votos a Obama?O favoritismo na cobertura acaba por ser um pequeno factor. Porque é que o governador Rendell diz que os media estão contra Hillary? Porque ela não está a ganhar e estão à procura de alguém para atacar. Se os media têm um papel moderado, o que é que vai decidir a nomeação de dois candidatos que diz terem pouco que os distinga em termos de ideias?Muito tem a ver com timings acidentais, o que acontece em que momento. Penso que as lágrimas de Hillary foram um acidente, mas aconteceram no momento certo, assim como o discurso de Obama sobre a raça em resposta aos ataques ao seu pastor, o reverendo Wright. Eu, se fosse conselheiro dele, tinha-lhe dito para se distanciar totalmente do homem e condená-lo. Não foi o que ele fez: transcendeu o momento e aproveitou a oportunidade para reflectir sobre a forma como a raça divide a América.Na campanha, o lado emocional pode ser mais importante do que os argumentos?Penso que sim. Onde divirjo dos críticos é que eu não penso que isso seja mau, faz parte de ser líder. Pode fazer-se ao gosto popular ou trivializando ou pode-se fazer de uma maneira que reconhece que parte da tarefa política tem a ver com a mobilização das pessoas.As lágrimas de Hilary vieram mostrar o seu lado emocional?Não sei como os candidatos aguentam este processo horrível, e, se ela teve aquela reacção, que pareceu genuína, isso é ser humano e as pessoas responderam positivamente a isso.Na América, mais do que na Europa, a vida privada é política. Porquê?Tony Blair manifestou a sua religiosidade quando deixou de ser primeiro-ministro, durante o cargo escondeu-a; nos Estados Unidos a religiosidade é exibida. Não sei se vem de uma herança puritana, mas existe um grau de religiosidade que é invulgar em comparação com a Europa. E isso liga-se com ideia de valores de família que têm que ser exibidos?Um dos preconceitos que estão longe de ser ultrapassados nos Estados Unidos é o da orientação sexual e instala-se uma suspeição quando a pessoa não é casada. O candidato a Presidente tem que ser uma pessoa normal, o que quer dizer ser heterossexual. Também é considerado não-normal não ter crianças, porque supostamente representam um compromisso com o futuro. Até se pode ser horrível com os filhos, mas o facto de que os tem junto a si sugere que percebe mais de assuntos como saúde e educação. Os candidatos têm simultaneamente que ser melhores do que nós e iguais a nós. O facto de não termos sistema parlamentar também é importante. O primeiro-ministro é, antes de mais, o líder de um partido, o Presidente é o símbolo da nação e só depois o líder do partido e isso traz diferenças.Tem-se falado do afastamento das pessoas em relação à vida política e do consequente aumento da abstenção. Estas eleições estão a voltar a interessar os americanos em política e os jovens em particular?Ficaria muito impressionado se a votação deste ano não fosse muito mais alta, para parâmetros americanos, do que em anos anteriores. Num ano em que as coisas correm bem votam 52 a 53 por cento dos eleitores, um número mais baixo do que em alguns países europeus. Nos jovens há níveis altos de abstenção. Obama, em particular, atraiu muitos jovens. E se ele não for nomeado? Um eleitor maduro democrata transferiria o seu voto de Obama para Hillary, mas será que o eleitor de 19 anos, que pensa que Obama é o salvador da América, agirá assim? Não sei.A informação jornalística sobre as eleições está longe de ser o principal veículo de campanha. Os candidatos aparecem em talk shows e em programas de humor. As campanhas estão muito ligadas ao entretenimento?Os americanos têm uma ideia muito romântica e falsa sobre o nosso passado, a imagem mais popular dos "bons velhos tempos das eleições" é de quando o Lincoln concorreu com o Douglas e debateram horas a fio. A grande distorção é que em eleições do século XIX isto foi muito raro, tiveram nove debates de três horas cada um, falavam para grandes audiências ao ar livre que muito provavelmente não os conseguiam ouvir e não eram candidatos à Presidência, mas ao Senado. Depois, eles atacavam-se pessoalmente e mentiam um sobre o outro. Ir a um debate não era muito diferente de assistir a um jogo de futebol nos dias de hoje. As pessoas aplaudiam o lado que já apoiavam. No século XIX, quando as eleições americanas se tornaram democráticas, já tinha muito a ver com entretenimento. Havia desfiles, churrascos, procissões, fanfarras - já era cultura popular. Desde então a política é entretenimento, é parte da cultura popular e hoje um candidato seria louco se não fosse a programas como o de Conan O"Brien, de John Stewart e por aí adiante.Há críticos dos media que vêem com maus olhos a cobertura noticiosa conhecida como "corrida de cavalos", que olha para vitórias e derrotas e pouco para as ideias defendidas...Não me faz grande impressão a cobertura "corrida de cavalos". Se as pessoas quiserem saber pormenores sobre os planos de saúde dos candidatos, podem ir aos seus sites ou ao Google. Além do mais, os planos de saúde que eles prometem não vão ser os que vão ser aprovados, vai haver compromissos com o Congresso, vão ter que mudar de acordo com o estado da economia. Acho boa ideia basear o voto no carácter do candidato. É um país grande e heterógeneo com um sistema político que é de uma complexidade louca, precisamos de atalhos para tomar decisões.Os media servem para ajudar a tomar decisões que não são necessariamente racionais?São baseadas em razão e emoção. Saber quem vai à frente é uma informação vital e a cobertura "corrida de cavalos" mantém as pessoas interessadas; as ideias dos candidatos não mudaram nos últimos oito meses, os resultados que obtiveram, sim. Na sua opinião, muita informação não faz das pessoas necessariamente melhores cidadãos. Porquê?Temos cada vez mais informação, mas o que nós sabemos é muito em segunda mão. Eu sei que o plano de saúde da Hillary é mais abrangente do que o de Obama porque li isso algures e vi-o repetido várias vezes, então penso que o plano da Clinton é melhor porque inclui mais pessoas. Mas será que é economicamente viável? Sei lá, não sou economista, sei é que há economistas do lado de Hillary que dizem que sim e outros do lado de Obama que dizem que não. Os media ajudam-me nisso, provavelmente o New York Times já publicou informação sobre isso. Mas nós só inferimos dos nossos conhecimentos, somos cidadãos em part time, os media são instrumentos a que podemos recorrer, mas não são eles que fazem de nós melhores cidadãos. Eu devia ter dito alguma coisa no aeroporto quando vi que havia pessoas a passar à frente. A cidadania é uma forma de respeito público, não é a mesma coisa que conhecimento e informação. Eu até já pus a questão de se saber se uma pessoa pode ser um bom cidadão e nunca votar. A resposta é sim, se eu agir e denunciar sempre que acontecer uma injustiça em minha casa, na minha escola, no meu bairro.
Catarina Gomes,
Fonte : Publico.pt
Fonte : Publico.pt
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