“José Eduardo dos Santos, ao mesmo tempo que organizou uma máquina de subversão da vontade popular expressa pelo voto, apresentou-se na sua faceta mais genuína: “a de jogador”. A de “jogador” rotineiro que vicia as cartas, muda os baralhos e corrompe o croupier para vencer todas as partidas e arrecadar todas as fichas, transformando o país no seu casino pessoal”.
Nelson Pestana (Bonavena)*
Há analistas que indicam que José Eduardo do Santos não vai insistir na sua intenção de ser “eleito” de mão levantada, como candidato único, pela Assembleia Nacional. Esta convicção estaria baseada na sua própria atitude, na tentativa que fez de melhorar a sua imagem, pela orientação que deu no seu discurso de fim-de-ano, nos sinais que vão chegando do interior do partido da situação e que vão no sentido da recusa de uma mudança da Constituição para confortar essa sua pretensão. Parece que a maior parte dos militantes do partido dos Santos estão contra uma tal proposta e têm feito ouvir a sua voz através de personalidades de ponta da sua família política mas também por jovens irreverentes.
Não deixa de ser interessante escutar essas vozes e perscrutar os sentimentos dos vários segmentos da sociedade. Isto permite-nos ter elementos de análise e compreender melhor os mecanismos de manipulação política da central ideológica do regime mas também as formas de resistência que se lhe opõem. Este tipo de manifestação é também útil a destruição da ideia de que a fraude eleitoral corresponde a um unanimismo nacional a favor do partido de governo.
A proposta de José Eduardo dos Santos, mesmo que tenha surpreendido alguns, não é nada que seja estranho à sua maneira de estar na política nacional. José Eduardo dos Santos é um conservador convicto que apesar de falar em “mudança na continuidade”, é nesta ponta da expressão onde melhor se revê e, por isto, não corre nenhum risco. Só empreende por uma solução, não tendo absoluta segurança, correndo algum risco, quando é forçado a fazê-lo ou quando comete algum erro de avaliação da situação. Aí, recua imediatamente, volta a trás e dá o dito por não dito. Ele só avança quando tem a absoluta certeza de vitória. Quando acontece um fracasso, procura imediatamente um bode expiatório. O pior que lhe pode acontecer é ser posto perante desafios e responsabilidades. Tragam louros que ele os colhe a todos. Afinal, como dizia o poeta, “as glórias cabem aos generais”. E dos Santos é um general com um superego e uma libido dominandi desmesurada!
Os ais das batalhas pertencem aos soldados, fica subentendido no poema de Agostinho Neto e por isso alguém há-de sempre de ser sacrificado para que a montante ou a jusante de uma qualquer operação política, seja preservado “o general”. Quintino Moreira que secundou o presidente do partido da situação nesta proposta, reivindicando-lhe a paternidade, não é um soldado, é apenas um batuqueiro: aquele que faz ecoar a mensagem. O papel dele esgota-se aí.
José Eduardo dos Santos é um “general” que conta com os seus soldados. A incorporação de um “batedor” é meramente circunstancial. A sua manobra política desde há dois anos, não se vai esboroar perante uma simples “oposição”. Ele separou as eleições legislativas das presidenciais, abandonando a ideia da sua realização simultânea porque não tinha a certeza de uma vitória nas “eleições gerais”, como dizia nessa altura. Ao fazer preceder as legislativas em relação às presidenciais o que pretendia era ter o absoluto controlo da situação e ter campo de manobra que lhe permitisse continuar a ser poder (autoritário) mesmo em caso de derrota ou de maioria relativa do seu partido, como indicavam, ao longo do tempo, as sondagens que encomendou a várias entidades especializadas.
Foi esta separação que permitiu desbloquear a situação de impasse em que o país se encontrava, após o estabelecimento da paz, que o levou a sucessivos adiamentos da data de realização das eleições. Teoricamente, a eleição que lhe interessava era a presidencial, pois ele, na qualidade de Presidente da República, qualquer que fosse o resultado das legislativas, continuaria a ter um grande poder sobre as forças políticas, por força do golpe do acórdão do Tribunal Supremo que lhe atribui a chefia do Governo e que transformou o Primeiro-Ministro em seu coadjutor.
Esta separação também lhe permitiu organizar o golpe da fraude eleitoral, contando com uma conivência alargada porque ele se insinuou como o presidente de todos os angolanos que não estaria directamente interessado no resultado das eleições legislativas, mas tão-somente ser o garante da estabilidade, no país. Manobra que lhe permitiu entorpecer ou mesmo adormecer, quer partidos políticos, quer organizações da sociedade civil e igrejas, quer ainda países da comunidade internacional.
Perante a quebra da vigilância de todos em relação ao poder, José Eduardo dos Santos ao mesmo tempo que organizou uma máquina de subversão da vontade popular expressa pelo voto, apresentou-se na sua faceta mais genuína: “a de jogador”. A de “jogador” rotineiro que vicia as cartas, muda os baralhos e corrompe o croupier para vencer todas as partidas e arrecadar todas as fichas, transformando o país no seu casino pessoal.
Perante a vitória fraudulenta e a maioria abusiva de 85% de que dispõe na Assembleia Nacional, não hesitou em expressar (sempre de forma subliminar) a sua vontade de se fazer “eleger” por voto de mão levantada, sendo candidato único. Depois saiu de cena mas não abandonou o teatro. A seu tempo voltaremos ao melodrama anunciado. Outros actores e figurantes farão a sua aparição. Dos Santos, controlando tudo, por detrás da cortina, ficará sempre na posição daquele que o povo quer, aquele que nos faz o favor de se sacrificar por nós”. Aquele que será escolhido pela vontade popular, através dos seus representantes. Não faltarão “soldados” e oficiais para defender esta ideia e fazer prevalecer a vontade “subterrânea” do chefe.
No passado, já vi este filme. José Eduardo dos Santos não se opôs ao projecto de alteração da Constituição que foi elaborado por uma Comissão Técnica nomeada (e controlada) por si. Mas, no dia da sua discussão, na Assembleia do Povo, surgiram os enfants-terribles do regime, à época, para contrariar todos e defender a ideia obtusa de que naquele momento a mudança era um risco, um perigo para a unidade nacional e outros “cujos e algos” mais.
Um governante renovador de então, veio defender a proposta da Comissão Técnica que assistia de camarote, desarvorada e meio envergonhada perante os seus conselheiros portugueses, ao desabar do castelo. Esse governante, procurando ganhar a assembleia, adoptou a táctica de primeiro lisonjear (bajular até mesmo) para depois dizer que estava na hora da mudança. Disse que o chefe era o melhor em tudo, ao ponto de dizer que ele era melhor que ele próprio mas melhor que ele só ele próprio. Mas, apesar disto, era preciso aceitar a ideia da consagração da separação de poderes e por isso o chefe devia deixar de ser o presidente da Assembleia do Povo
Apesar deste esforço o “camarada” (novo-cristão) não conseguiu convencer dos Santos dessa necessidade. E este levantou pessoalmente a voz para se opor à separação de poderes, na revisão de Março de 1991. E, mais adiante, perante uma certa resistência da “ala renovadora” de então, a sessão da Assembleia do Povo foi suspensa para dar lugar a uma curta reunião do bureau político do partido único. Aí, foram baixadas orientações para que a “continuidade” da fusão de poderes se mantivesse na Constituição de Março de 1991. Ao retomar a sessão de alteração da Constituição, às vozes favoráveis à continuidade da fusão de poderes juntaram-se figuras destacadas da direcção partidária da época que até aí tinham primado pelo silêncio. Perante a pressão intimidatória o resultado foi aquele que todos conhecemos: a manutenção.
Cheira-me que a “glória do general” vai tornar a ser defendida, até porque a sua capacidade de intimidação e coerção política é bem maior.
* cientista político
Há analistas que indicam que José Eduardo do Santos não vai insistir na sua intenção de ser “eleito” de mão levantada, como candidato único, pela Assembleia Nacional. Esta convicção estaria baseada na sua própria atitude, na tentativa que fez de melhorar a sua imagem, pela orientação que deu no seu discurso de fim-de-ano, nos sinais que vão chegando do interior do partido da situação e que vão no sentido da recusa de uma mudança da Constituição para confortar essa sua pretensão. Parece que a maior parte dos militantes do partido dos Santos estão contra uma tal proposta e têm feito ouvir a sua voz através de personalidades de ponta da sua família política mas também por jovens irreverentes.
Não deixa de ser interessante escutar essas vozes e perscrutar os sentimentos dos vários segmentos da sociedade. Isto permite-nos ter elementos de análise e compreender melhor os mecanismos de manipulação política da central ideológica do regime mas também as formas de resistência que se lhe opõem. Este tipo de manifestação é também útil a destruição da ideia de que a fraude eleitoral corresponde a um unanimismo nacional a favor do partido de governo.
A proposta de José Eduardo dos Santos, mesmo que tenha surpreendido alguns, não é nada que seja estranho à sua maneira de estar na política nacional. José Eduardo dos Santos é um conservador convicto que apesar de falar em “mudança na continuidade”, é nesta ponta da expressão onde melhor se revê e, por isto, não corre nenhum risco. Só empreende por uma solução, não tendo absoluta segurança, correndo algum risco, quando é forçado a fazê-lo ou quando comete algum erro de avaliação da situação. Aí, recua imediatamente, volta a trás e dá o dito por não dito. Ele só avança quando tem a absoluta certeza de vitória. Quando acontece um fracasso, procura imediatamente um bode expiatório. O pior que lhe pode acontecer é ser posto perante desafios e responsabilidades. Tragam louros que ele os colhe a todos. Afinal, como dizia o poeta, “as glórias cabem aos generais”. E dos Santos é um general com um superego e uma libido dominandi desmesurada!
Os ais das batalhas pertencem aos soldados, fica subentendido no poema de Agostinho Neto e por isso alguém há-de sempre de ser sacrificado para que a montante ou a jusante de uma qualquer operação política, seja preservado “o general”. Quintino Moreira que secundou o presidente do partido da situação nesta proposta, reivindicando-lhe a paternidade, não é um soldado, é apenas um batuqueiro: aquele que faz ecoar a mensagem. O papel dele esgota-se aí.
José Eduardo dos Santos é um “general” que conta com os seus soldados. A incorporação de um “batedor” é meramente circunstancial. A sua manobra política desde há dois anos, não se vai esboroar perante uma simples “oposição”. Ele separou as eleições legislativas das presidenciais, abandonando a ideia da sua realização simultânea porque não tinha a certeza de uma vitória nas “eleições gerais”, como dizia nessa altura. Ao fazer preceder as legislativas em relação às presidenciais o que pretendia era ter o absoluto controlo da situação e ter campo de manobra que lhe permitisse continuar a ser poder (autoritário) mesmo em caso de derrota ou de maioria relativa do seu partido, como indicavam, ao longo do tempo, as sondagens que encomendou a várias entidades especializadas.
Foi esta separação que permitiu desbloquear a situação de impasse em que o país se encontrava, após o estabelecimento da paz, que o levou a sucessivos adiamentos da data de realização das eleições. Teoricamente, a eleição que lhe interessava era a presidencial, pois ele, na qualidade de Presidente da República, qualquer que fosse o resultado das legislativas, continuaria a ter um grande poder sobre as forças políticas, por força do golpe do acórdão do Tribunal Supremo que lhe atribui a chefia do Governo e que transformou o Primeiro-Ministro em seu coadjutor.
Esta separação também lhe permitiu organizar o golpe da fraude eleitoral, contando com uma conivência alargada porque ele se insinuou como o presidente de todos os angolanos que não estaria directamente interessado no resultado das eleições legislativas, mas tão-somente ser o garante da estabilidade, no país. Manobra que lhe permitiu entorpecer ou mesmo adormecer, quer partidos políticos, quer organizações da sociedade civil e igrejas, quer ainda países da comunidade internacional.
Perante a quebra da vigilância de todos em relação ao poder, José Eduardo dos Santos ao mesmo tempo que organizou uma máquina de subversão da vontade popular expressa pelo voto, apresentou-se na sua faceta mais genuína: “a de jogador”. A de “jogador” rotineiro que vicia as cartas, muda os baralhos e corrompe o croupier para vencer todas as partidas e arrecadar todas as fichas, transformando o país no seu casino pessoal.
Perante a vitória fraudulenta e a maioria abusiva de 85% de que dispõe na Assembleia Nacional, não hesitou em expressar (sempre de forma subliminar) a sua vontade de se fazer “eleger” por voto de mão levantada, sendo candidato único. Depois saiu de cena mas não abandonou o teatro. A seu tempo voltaremos ao melodrama anunciado. Outros actores e figurantes farão a sua aparição. Dos Santos, controlando tudo, por detrás da cortina, ficará sempre na posição daquele que o povo quer, aquele que nos faz o favor de se sacrificar por nós”. Aquele que será escolhido pela vontade popular, através dos seus representantes. Não faltarão “soldados” e oficiais para defender esta ideia e fazer prevalecer a vontade “subterrânea” do chefe.
No passado, já vi este filme. José Eduardo dos Santos não se opôs ao projecto de alteração da Constituição que foi elaborado por uma Comissão Técnica nomeada (e controlada) por si. Mas, no dia da sua discussão, na Assembleia do Povo, surgiram os enfants-terribles do regime, à época, para contrariar todos e defender a ideia obtusa de que naquele momento a mudança era um risco, um perigo para a unidade nacional e outros “cujos e algos” mais.
Um governante renovador de então, veio defender a proposta da Comissão Técnica que assistia de camarote, desarvorada e meio envergonhada perante os seus conselheiros portugueses, ao desabar do castelo. Esse governante, procurando ganhar a assembleia, adoptou a táctica de primeiro lisonjear (bajular até mesmo) para depois dizer que estava na hora da mudança. Disse que o chefe era o melhor em tudo, ao ponto de dizer que ele era melhor que ele próprio mas melhor que ele só ele próprio. Mas, apesar disto, era preciso aceitar a ideia da consagração da separação de poderes e por isso o chefe devia deixar de ser o presidente da Assembleia do Povo
Apesar deste esforço o “camarada” (novo-cristão) não conseguiu convencer dos Santos dessa necessidade. E este levantou pessoalmente a voz para se opor à separação de poderes, na revisão de Março de 1991. E, mais adiante, perante uma certa resistência da “ala renovadora” de então, a sessão da Assembleia do Povo foi suspensa para dar lugar a uma curta reunião do bureau político do partido único. Aí, foram baixadas orientações para que a “continuidade” da fusão de poderes se mantivesse na Constituição de Março de 1991. Ao retomar a sessão de alteração da Constituição, às vozes favoráveis à continuidade da fusão de poderes juntaram-se figuras destacadas da direcção partidária da época que até aí tinham primado pelo silêncio. Perante a pressão intimidatória o resultado foi aquele que todos conhecemos: a manutenção.
Cheira-me que a “glória do general” vai tornar a ser defendida, até porque a sua capacidade de intimidação e coerção política é bem maior.
* cientista político
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