terça-feira, 18 de março de 2008

ELEIÇÕES 2008: UM MOMENTO DE CLARIFICAÇÃO

Quem quer um modelo de desenvolvimento político, económico e social participativo, que conta com todos os cidadãos como agentes transformadores, deve votar na FpD”.

As eleições, quando não são banalizadas ou funalizadas, são normalmente uma oportunidade de clarificação de posições políticas, ético-morais e cívicas. Creio bem que as eleições de 2008 poderão ser esse momento que venha tendencialmente a acabar com o “porreirismo” nacional. O país só tem a ganhar com a clarificação de posições. A clarificação permite a emulação de ideias, o debate produtivo de sentido e acaba com a hipocrisia, com o cinismo, faz emergir a dignidade e o respeito pelo Outro e proporciona uma sã convivência no respeito de cada um. O “porreirismo” nacional tem feito muito mal ao país e tem contribuído para a legitimação do autoritarismo, deixando à margem da vida do país uma considerável franja da inteligzencia nacional, em particular, e dos cidadãos, em geral. Por nós, cada cidadão angolano tem que ser respeitado no seu círculo social não pelo cartão partidário, não pela sua cumplicidade ou silêncio em relação a práticas contra as quais está, mas pelo seu valor individual e social. O pensamento crítico é fundamental para o desenvolvimento nacional e só pode sê-lo em liberdade e com a criação de espaços alternativos de intervenção que permitam a participação de todos no espaço público nacional.

Está anunciada para Maio uma Conferência Nacional do partido da situação. Segundo um dos seus líderes a conferência será aberta a independentes que serão convidados a participar dos seus trabalhos devido à sua capacidade técnica e profissional. É claro que esta atitude é ditada pela circunstância da captação de votos e não porque haja uma mudança nas convicções e no método de tal partido que repetidas vezes já recorreu a este esquema e até aprovou uma linha à esquerda e depois governou à direita, já se serviu de nomes honrados para a campanha e, depois de recolher os votos, governou com toda a malandragem. Os seus dirigentes gabam-se desta sua reincidência de “piscar à esquerda e virar à direita”. Não são pois um partido em que se possa confiar.

Por seu lado, a Frente para a Democracia (FpD) vai realizar, em Junho, um conclave para discutir o manifesto eleitoral. Não se trata de uma convenção (ou conferência nacional, ou congresso) do partido, onde participam alguns técnicos, mas de uma reunião aberta e coordenada por personalidades da sociedade civil em que militantes da FpD e membros e personalidades da sociedade debatem, a título igual, uma visão do Estado, da economia e da sociedade que será depois adoptada por este partido como programa eleitoral.

Neste contexto, o que seria bom é que aqueles que estão de acordo com a política do partido da situação frequentassem os seus actos políticos, as suas reuniões e os que não estão de acordo que não ponham lá os pés. É tempo de contribuirmos para a abertura de um espaço de intervenção alternativa que permita alicerçar uma mudança estrutural do país para que possamos ver realizada a utopia da Angola de todos. Para isto, é preciso que as pessoas não se deixem intimidar e não apareçam lá onde ninguém espera que estejam apenas por receio de retaliações futuras.

O momento é de clarificação em relação a uns e a outros. Tanto em relação a manobra da “grande família bis”, quanto em relação à “federação para a mudança”. O que é melhor para o país é que não haja voto de equívoco ou do medo. O voto deve ser, no sentido do apelo dos bispos católicos, um “voto de qualidade”. O quer dizer que deve ser um voto em consciência em que cada um leve em consideração as suas convicções profundas e os interesses não meramente circunstanciais mas estratégicos do país; quer em termos de crescimento económico, quer em termos de desenvolvimento político e social, dois factores que estão intrinsecamente ligados.

Apesar das muitas siglas partidárias há apenas 11 partidos representados na Assembleia Nacional: Mpla, Unita, PRS, Fnla, PLD, FpD, PRD, PNDA, Pajoca, PDP-ANA e PSD (o 12º partido dissolveu-se e regressou, na sua maioria, ao seio materno) e pouco mais de meia dúzia participam efectivamente na vida política do país. Para além dos antigos movimentos de libertação, há a FpD, o PRS, o PLD (ultimamente muito desaparecido) e o Padepa. Depois podemos considerar, num outro plano, duas coligações: os POC e o CPO. Mas basicamente vão estar presentes três propostas de conteúdo global: os parceiros do Gurn e a FpD. Para além destas haverá mais três outras propostas de conteúdo mais particular: Fnla, PRS e Padepa.

O partido da situação vai tentar transformar o desastre da sua governação em virtudes. Vai tentar negar a autoria do milagre das rosas ao contrário que “transformou as rosas em falta de pão”. A sua proposta vai ser de continuar a aplicar o “programa de reconstrução nacional” que até aqui deu resultados muito fracos, com enormes somas gastas, evocando que precisa de mais tempo, para insistir nas grandes obras faraónicas e pouco investir nos cidadãos. Vai multiplicar as promessas e vai investir fortemente no voto afectivo, impulsivo, recalcado, esquizofrénico ou vendido mas nada consciente.

Do lado da Unita o grande objectivo é a mudança do poder e por isto a intenção de cooptação de um largo leque de partidos e personalidades que lhes permita insistir no bipartidarismo, que a concretizar-se irá perpetuar um “partido único” rotativo, não dando espaço a sociedade civil e outras sensibilidades políticas. O poder é mais importante para eles do que a política. Afinal, é um partido com uma vasta clientela à espera da sua vez. Nunca deu grande importância às lutas sociais, colocou-se contra a luta pelas eleições nos prazos constitucionais, argumentando que ainda não estava preparada (colocando pois no centro da sua acção os seus interesses partidários e não os Nação), várias vezes evocou “sentido de Estado” para não agir em conformidade com a oposição e privilegiou a sua condição de membro do Gurn. Tendo em perspectiva o interesse da bipolarização, colaborou na feitura da Lei Eleitoral com todas as inconstitucionalidades de que enferma (nomeadamente, o famoso artigo 62º, nº. 2) porque entrou, mais uma vez, no jogo da colaboração em defesa do espaço bipolarizado, para evacuar todas as demais forças da arena política, na esperança de que esta manobra lhe seria favorável, desta vez, pois todos os outros partidos perante as dificuldades bateriam à sua porta.

A FpD, por seu lado, e apesar das inúmeras dificuldades, contrariamente a estes dois projectos hegemónicos dos parceiros do Gurn, defende uma forte federação de forças para a mudança da política nacional e para a transformação estrutural do país. Por isto, está aberta a tudo que se vai discutir no “Jango da República” e se disponibiliza a ser o meio da acção política de todos. Para este partido a questão fundamental não é a de evacuar os actuais inquilinos do poder e instalar outros. O fundamental é a mudança de política. E, isto, não é uma mera passagem ritual mas um processo. Um processo que se inicia mas não se esgota com as eleições de Setembro de 2008, terá a sua continuidade na acção da FpD no parlamento, na sua ligação às lutas sociais e aos movimentos reivindicativos. Terá a sua continuidade nas eleições presidenciais e, sobretudo, nas eleições autárquicas.

Há pois, nestas eleições, várias clarificações a fazer! Para além das que já deixamos expressas, é preciso saber quem é pela bipolarização, quem escolhe o poder, em vez da política, quem é pela maioria absoluta e quem está a favor do modelo de desenvolvimento de exclusão.

Quem é pela bipolarização não terá que se inquietar em relação aos demais partidos que estarão nestas eleições. Mas quem quer a pluralidade e está contra a bipolarização deve votar contra esta, colocando o seu voto numa das formações que procuram garantir a pluralidade política da futura Assembleia Nacional: FpD, PRS, FNLA e eventualmente mais um ou outro.

A segunda clarificação tem a ver com a escolha entre o poder e a política. Quem for pelo poder, a quem apenas preocupar o poder do seu próprio partido e nada a política de desenvolvimento do país deve votar nos parceiros do Gurn para decidir quem fica na mó de cima desta vez. Quem é a favor da política não pode deixar de votar na FpD que é um partido, segundo diversos comentaristas, com política própria, um partido que representa um pensamento político alternativo para o país, para quem o sentido das eleições legislativas de 2008 não é o do poder. A questão que está em jogo não é uma questão de poder mas de política.

A terceira clarificação é entre a maioria absoluta e a maioria relativa. Os que acham que o seu partido deve gozar de uma maioria absoluta para governar em ditadura, de costas para o país, sem dar importância às reivindicações dos movimentos sociais e dando largo espaço à predação, então deve votar nos partidos que querem a maioria absoluta (ou seja, os parceiros do Gurn). Quem não quer uma maioria absoluta deve votar nos partidos que propõem uma alternativa política ao filme da ditadura actual (ou ao seu remix).

Quarta clarificação é em relação ao modelo de desenvolvimento. Quem quer um modelo de desenvolvimento político, económico, social participativo que conta com todos os cidadãos como agentes transformadores deve votar na FpD. Quem prefere o modelo do grupo locomotiva (que se enriquece a custa do empobrecimento e da miséria dos outros com a vã promessa de que depois eles serão a locomotiva do desenvolvimento) vota na continuidade do Gurn.

Em todo o caso a clarificação será sempre um ganho para o país.

Nelson Pestana (Bonavena)
(artigo publicado do semanário Agora, 15 de Março de 2008)

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