sábado, 29 de março de 2008

O PENSAMENTO E A ACÇÃO DOS ACTIVISTAS DO SOCIAL

(artigo de Nelson Pestana (Bonavena), publicado no semanário AGORA, DE 29 de Março de 2008)
É hora de influenciar as políticas públicas no sentido de versarem, mais do que nunca, sobre as necessidades básicas universais das populações, fazendo com que o plano nacional de obras infraestruturais tenha como prioridade absoluta as questões da educação, saúde, saneamento básico e habitação”.
Não faz muito tempo, o Centro de Estudos e Investigação Cientifica (CEIC) da Universidade Católica de Angola (UCAN) realizou uma conferência sobre a pobreza. O poder como sempre esteve ausente. Alguns intelectuais evitaram aparecer para não serem conotados com um acto que lhes cheirava à subversão. Nessa altura, fomos criticados, por alguns deles, por estar a promover uma conferência sobre a pobreza que era uma evocação negativa, numa altura em que o país estava a crescer a bom ritmo e o discurso oficial triunfalista exacerbava os ganhos do crescimento económico (que diziam que seria de 34%, o maior do mundo, depois tiveram que o rever pela metade) e afirmava que este crescimento, por si só, resolveria o problema da pobreza. A pobreza não era pois um tema de governação e não se deveria falar dela para não dar uma má imagem do país (entenda-se do governo). Mesmo a estratégia de combate à pobreza (ECP) fora abandonada.

Agora, que há em vista as eleições 2008 e é preciso dar atenção as formas mais eficazes para caçar votos, a pobreza está na moda do discurso eleitoralista, a pobreza aparece à cabeça da tematização dos discursos políticos. Até mesmo o homem mais rico do país (e chefe de fila da burguesia predadora) não fala mais das muitas “oportunidades de negócios” mas da pobreza, apresentando-a como uma prioridade de governo. Os “negócios” serão feitos na calada da noite enquanto de dia se irá falando da necessidade de “combater e vencer a fome, o subdesenvolvimento” e de “criar condições para o bem-estar dos cidadãos”.

A questão social vai estar no centro dos discursos, pois até os chamados tecnocratas que seraficamente afirmavam que a sua única preocupação era a economia e sua boa saúde, estão agora a fazer incursões pelas questões sociais mostrando preocupações com os salários. Essa questão era então apresentada como o ninho do marimbondo que uma vez espevitada poderia fazer soltar os demónios da inflação e provocar o desabar da política de equilíbrio macroeconómica do país.

A questão social vai estar na ordem do dia! Não porque seja uma evidência a reclamar medidas e políticas públicas adequadas mas porque é bem visto falar-se dela porque o movimento reivindicativo e crítico dos eleitores tem-na como a principal questão do seu sentido de voto. A questão social não vai estar na ordem do dia porque a cólera bate forte e as soluções estão longe de dar resposta a magnitude da epidemia, não porque a malária persiste e o VIH/SIDA continua imparável a corroer os corpos uns após outros, com consequências na economia, nas famílias, no desenvolvimento das novas gerações, enquanto os dirigentes pachorrentos falam rançosamente em “janela de oportunidade”.

A questão social estará na ordem do dia sem que a crise da habitação, a falta de água potável e de saneamento básico que agravam cada vez mais a vulnerabilidade permanente em que as famílias angolanas se encontram, sejam debatidas e, muito menos ainda, se encontre uma solução. A mortalidade anual de 262 crianças em 1000, antes dos 5 anos, assim como as doenças pediátricas que estão ligadas (em 80%) ao péssimo saneamento dos bairros não vão figurar dessa ordem do dia, pois a questão social (e a pobreza em particular) serão abordadas, nesses discursos, de maneira o mais desligada da realidade, apenas para servir a mistificar a situação e a legitimar o contrário daquilo que as pessoas querem: a solução dos seus problemas. O objectivo deles não será o de encontrar soluções e de mobilizar meios e pessoas para a resolução dos problemas. È que apesar de estarmos a caminhar para uma situação de crise social que cresce cada vez mais, neste momento político todos os sofistas militantes serão chamados a mistificar a situação e a protelar a resolução desse grave problema do país que é a pobreza.

É verdade que nesta altura, vão ser congeladas as soluções musculadas que pretendiam resolver a questão social com medidas de polícia e repressão, chegando a criminalizar a pobreza e perseguindo os pobres, enquanto os poderosos fazem e desfazem e todos os outros têm que se submeter. Depois dos votos recolhidos eles voltarão a boca de cena.

Perante este quadro favorável a uma certa visibilidade do problema da pobreza, apesar de conscientes da suas limitações, os activistas do social têm que aproveitar para dizer alto e a bom som que o país não pode continuar a registar índices que o colocam na cauda do desenvolvimento sendo um país riquíssimo, com fortes índices de crescimento, nem permitir que esta riqueza seja abocanhada de forma escandalosa e perdulária por um grupo muito restrito que promove o desenvolvimento separado.

É hora de influenciar as políticas públicas no sentido de versarem, mais do que nunca, sobre as necessidades básicas universais das populações, fazendo com que o plano nacional de obras infraestruturais tenha como prioridade absoluta as questões da educação, saúde, saneamento básico e habitação. É o momento de pressionar para fazer com que as parcerias público/privado se virem para estas necessidades fundamentais do país e se afastem das obras faraónicas que promovem a degradação do meio ambiente e delapidam recursos importantes.

Não se perca a ocasião para dizer que a política de desenvolvimento e negócios tem que ter no centro uma estrutura de oportunidades de equidade, uma distribuição dos rendimentos mais justa e uma redistribuição mais solidária que permitam uma cada vez maior coesão da comunidade nacional.

E, como a sustentabilidade dos sistemas faz-se também pela adopção de bons sistemas de organização, de governação, o momento deve ser aproveitado para pensar e debater a necessidade da maior proximidade do poder dos governados, colocando na agenda as eleições autárquicas que são afinal eleições que dizem mais directamente aos cidadãos do que as demais. No poder autárquico reside uma maior possibilidade de realização do social e uma possibilidade mais efectiva dos cidadãos de controlar a qualidade do político.


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