terça-feira, 8 de abril de 2008

O PENSAMENTO E ACÇÃO DOS ACTIVISTAS DO SOCIAL II

Cada geração tem a sua função. E, se a geração da luta de libertação nacional exerceu o seu direito à indignação (…) a geração da libertação social deve também, (…) manifestar a sua indignação e protestar contra o desenvolvimento separado (o apartheid social) que prossegue e que busca agora uma legitimidade renovada”.
(artigo de Nelson Pestana (Bonavena), publicado no AGORA, nº 572, de 5 de Abril de 2008)
A questão social, como disse no texto anterior, está na moda dos discursos. Esta vai ser tratada não pela sua natureza mas como epifenómeno. A pobreza, por exemplo, é tratada nesses discursos dos ricos, não como uma manifestação da desigualdade e exclusão, mas como o resultado da incapacidade dos próprios pobres de se enriquecerem. Não há pois nessas abordagens, quer de pendor político, quer de pendor económico, nenhuma perspectiva histórica ou analítica da desigualdade e da exclusão. É claro que “a desigualdade é um fenómeno socio-económico” historicamente determinado e a exclusão é “um fenómeno socio-cultural, um fenómeno de civilização”( Boaventura de Sousa Santos).

Franz Fanon é com certeza um autor empolgante (embora lhe conteste algumas das abordagens e corrobore algumas das críticas que lhe são endereçadas sobre o papel da violência). Este médico psiquiatra das Antilhas que se fez o teórico da revolução nacionalista em África (lutando ao lado da guerrilha argelina e incentivando o movimento nacionalista por toda a África e, nomeadamente, em Angola) tinha na abordagem da exclusão o demiurgo da sua análise do colonialismo. Na sua análise das identidades resultantes da ordem social do colonialismo, Franz Fanon defende que a exclusão é um processo de despojamento da dimensão humana do indivíduo que o impede de ser sujeito do seu processo de reprodução social. Os pobres não são pois resultado da inépcia pessoal mas fruto da desigualdade e exclusão. Estas duas manifestações da questão social podem ser produzidas das mais diferentes formas e, nomeadamente pela falta de acesso à escola, ao emprego e a uma vida familiar condigna (habitação, água potável, saneamento, à saúde e cultura).

Por esta razão, reporto de grande importância o pensamento e a acção dos activistas do social neste período em que a “pobreza” vai estar na “moda”. Hannah Arendt (essa anti-facista de grande talento) tinha, na relação entre o discurso e a acção, a condição fundamental do Homem; o locus da sua condição de sujeito. Por isto, para ela, o individuo, ao ser despojado do discurso, é despojado da sua condição de actor, da sua possibilidade de se inscrever numa ordem relacional e simbólica, constituída por uma rede de pensamento e acção. Os activistas do social devem pois reivindicar um espaço de intervenção com voz própria e discutir, antes de mais, o monopólio da tematização, os modos e lugares do debate para não se verem envolvidos em actos litúrgicos legitimadores que são os fora do pseudo-debate.

A desigualdade e a exclusão não são fenómenos novos nosso país. No passado, os grupos excluídos estavam, no geral, impossibilitados de participar das relações económicas predominantes e das relações políticas vigentes, numa palavra, estavam excluídos do exercício dos direitos de cidadania.

Ao falarmos do país e das nossas vidas (uma coisa não vai sem a outra), num tempo de 32 anos de independência, constatamos que nada foi feito (ou muito pouco ou muito mal feito) para reverter a situação de exclusão que afectava os angolanos no período colonial. Até o sentido da evolução do movimento em prol da cidadania na civitas colonial, resultante do flamejar das catanas e de uma desesperada tentativa de relegitimação do tardo-colonialismo, se perdeu. E, embora tenham mudado as circunstâncias, os actores, as formas de legitimação e outras, no essencial, aquele quadro de negação de direitos é assimilável à situação actual.

Cada geração tem a sua função. E, se a geração da luta de libertação nacional exerceu o seu direito à indignação, com todos os riscos que isso acarretou para eles, a geração da libertação social deve também, integrando-se no devir histórico nacional, manifestar a sua indignação e protestar contra o desenvolvimento separado (o apartheid social) que prossegue e que busca agora uma legitimidade renovada.

Na verdade, da mesma maneira que os nacionalistas, no passado, lutaram pela “autenticidade” de ser angolano, no contexto colonial, também os activistas do social, na actualidade, devem ir a contracorrente da acomodação e procurar inquietar, afirmando, através do exercício da autonomia de vontade, aquilo que acham que é próprio de si e do seu tempo.

Hoje, é certo, que para além da filosofia do ser (angolano) temos também que fundamentar uma filosofia do indivíduo. Afinal, um dos fundamentos inscritos na Constituição da nossa República não pode ser uma ideia abstracta, deve ser sinónimo de bem-estar. “Bem-estar e qualidade de vida dos cidadãos” que é um dos fins do Estado, segundo a mesma Lei Constitucional (artigo 9º). Por isto, pensar um novo sistema de regulação social integrador é uma inquietação ontológica que os nacionalistas, devido às desavenças e dissabores no seu seio, não resolveram favoravelmente à Nação mas que os activistas do social não podem deixar de o fazer, sob pena de estarem somente a reproduzir, com o seu grandioso esforço, a ordem e estruturas com as quais discordam.

Nesse exercício, temos como seguro que renunciar ao autoritarismo como modelo de regulação, não somente vem na razão directa da nossa tradição política de origem, da natureza pluralista da Nação mas é também um pressuposto do sucesso do desenvolvimento. Um desenvolvimento necessário que nos convoca para novas batalhas na escola, na empresa, nos campos e na família. Não mais a nostalgia instrumental do Cuito-Canavale mas o esforço da mão a domar a caneta, a temperança a moldar o aço, o domínio da agilidade das auto-estradas da informação, o saborear do suculento das laranjas do Gangassol, enfim, o recato da nossa família que soma e segue e através de todos e de cada um se faz país.

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