(artigo de PAULO MULEMBA, publicado no AGORA, nº. 574, 19 de Abril de 2008)
Queremos reportar-nos ao debate que se gerou em torno da entrevista dada pelo escritor Agualusa ao Jornal Angolense, que ao exprimir numa frase a sua opinião sobre a poesia de Agostinho Neto ( “Neto é um poeta medíocre”), provocou uma onda de mal estar em certos sectores, a ponto de provocar xinguilamentos ou vontades de xinguilar.
Embora tenhamos a nossa opinião, não pretendemos estabelecer juízos de valor sobre a poesia de A. Neto, porque achamos, em nome da simples honestidade intelectual que a referida entrevista, não dá qualquer motivo para esticar uma discussão neste sentido.
O que encontramos de mais grave e quiçá preocupante neste debate, é a transgressão operada pelo professor da UNIA, Dr. João Pinto, no seu artigo “Literatura Identidade e Politica”, publicado no JÁ, a 6/4/08, onde, em forma de introdução, escreve:
“Xingar o Kilamba faz Xinguilar”, “Kidi Kidi, Kididi Kididi”.
O professor começa por esta bonita marcação de identidade cultural (linguística) pese embora o sincretismo da primeira expressão, onde a força da rima clássica, portanto exógena, é conseguida através da apropriação gramatical da conjugação portuguesa. Não é pecado. A interface cultural produz estes empréstimos ou apropriações em todo legitimas de ambas as partes, angolana e portuguesa.
Mas é exactamente por esta primeira afirmação: Xingar o Kilamba faz Xinguilar que queremos começar, na sincera esperança de poder acalmar o xinguilamento do Professor. Elegemos esta expressão porque achamos que é sobre ela que assenta toda a estrutura profunda da reacção do Professor, objectivada no texto.
O nosso Professor começa logo por uma evasão do terreno da apreciação literária para um referencial ético-moral, transformando assim a afirmação do escritor Agualusa, numa ofensa pessoal ( ele Xingou o Kilamba ). Não achamos intelectualmente honesto nem eticamente justo, esta forma de transferir (intencionalmente?), as questões, de um terreno para outro e principalmente quando este outro é muito movediço.
“Kidi Kidi, Kididi Kididi – A Verdade e o Espaço não se confundem”. Podemos até estar, em parte, de acordo com esta interpretação, mas, a Verdade só pode ser concreta, quando inserida num determinado referencial ( lugar, espaço, enquadramento ), se não cuidamos desta relação, podemos transformar injustamente, Tudo, em maldade, ofensa (xingadela), crime, em suma, naquilo que o nosso estado de espírito ou interesse o quiser. Certamente que a verdade não depende muito de nós (nossa vontade), humanos e mortais, ela tem esta relação necessária de temporalidade e “espacialidade”que o próprio Professor mais tarde o reconhece.
Mas continuemos a leitura do texto para percebermos melhor alguns dos problemas (makas) do professor.
Xinguilar. Aqui o professor deriva para o terreno do comportamento psico-afectivo, e embora respeitemos a sua incursão para o mundo da Antropologia, citando Virgílio Coelho, não seria mau de todo, que consultasse a opinião de psicólogos e psiquiatras para aprofundar outra nuance importante que Xinguilar pode encerrar.
È bom e recomendável que qualquer debate, que se pretende sério e profundo, não caia no xinguilamento, sob pena de termos de parar, para refrescar a cabeça dos xinguilantes ou arranjar um colete de forças para impedir que a frequente agitação que acompanha o xinguilamento se converta em autoflagelação, desturição ou mesmo agressão contra outros.
Os Makota quando sentados para discutir as Maka, fazem-no com sublimidade e alto sentido de responsabilidade. Embora não deixe de haver espaço para a emotividade inteligente, há sempre a prevalência da racionalidade.
Passamos a perceber melhor a vontade de xinguilar do Prof. João Pinto, quando escreve que A. Neto é Kilamba, Kituta, Kiximbi transformando-o em divindade aquática. Aqui passa para o terreno da religiosidade e da mística, para continuar a debater o problema. Alguns críticos literários terão abordado a poesia de Neto como tendo mensagem profética, mas certamente, que está muito longe da sua transformação em divindade com poderes sobre-humanos.
Respeitamos inteiramente as crenças do prof. João Pinto, mas achamos que não deve derramá-las sobre todos nós. Aconselhamos também que não vá ao extremo de entrar em xinguilamentos quando tem de enfrentar opiniões menos favoráveis sobre as suas divindades, porque a experiência do último ano tem trazido a luz do dia, várias opiniões e estudos pouco abonatórios para muitos símbolos que existiram no imaginário de boa gente (é só ler os livros que têm saído sobre algumas verdades de Angola). Por outro lado, as posições extremas em defesa de divindades, podem provocar comportamentos pouco desejáveis para a cidade e civilidade, principalmente em plena fase de preparação de eleições.
Mas o professor continua. Numa fase de autentica contradição com ele mesmo, reconhece que pode e deve haver “gostos estéticos diferentes”, que não deve haver “prejuízo da crítica objectiva resultante do pluralismo, liberdade e responsabilidade”. Mas, cuidado! acima de tudo deve haver “respeito, veneração, solenidade”, “temor reverencial” aos heróis e escritores.
O nosso professor, embora reconheça, nesta fase, alguns dos direitos basilares da Democracia e do Estado de Direito, as opiniões dos cidadãos deverão ficar no oculto da reverência divinal, não devendo ser expressas publicamente. Deve haver solidariedade para com os heróis, porque de outra forma passam imediatamente a ser ofensa (xingar), e mais grave ainda, serem ofensas pecaminosas porque atentam contra as divindades.
Ficamos temerosos quando constatamos que o professor quase nos leva a um xinguilamento delirante colectivo, quando chama para este debate alguns dos ditames do colonialismo, retomando o regulamento do imposto do indígena e da qualificação racista que se fazia no período colonial sobre muita gente. Não vamos continuar nesta senda, porque parece-nos que esta deriva passa a não ser muito agradável para o debate.
Para corolário de toda esta dissertação, chegamos ao que seria previsível: o nosso professor partiu da “ofensa” de Agualusa para o pecado e, finalmente, fecha o ciclo com a criminalização da opinião, evocando a lei em detrimento do direito inalienável de opinião para pedir julgamento e condenação. Não queremos acreditar que isto seja verdade!
Sabemos que a FRENTE, a FpD, tem uma proposta de código de conduta social, que serviria de pauta reguladora para a coexistência saudável entre nós. Pedimos que aí seja inscrito o princípio seguinte: “Não vale Xinguilar, quem xinguilar perde a razão”.
Nós igualmente, num exercício de cidadania e civilidade, achamo-nos no direito e fundamentalmente na obrigação de participar do debate que se tornou hiperbolizado e com caminhos torpes, transportado para terrenos de má índole, sem que para tal encontrássemos nobres razões.“o nosso professor partiu da “ofensa” de Agualusa para o pecado e, finalmente, fecha o ciclo com a criminalização da opinião, evocando a lei em detrimento do direito inalienável de opinião para pedir julgamento e condenação. Não queremos acreditar que isto seja verdade!”
Queremos reportar-nos ao debate que se gerou em torno da entrevista dada pelo escritor Agualusa ao Jornal Angolense, que ao exprimir numa frase a sua opinião sobre a poesia de Agostinho Neto ( “Neto é um poeta medíocre”), provocou uma onda de mal estar em certos sectores, a ponto de provocar xinguilamentos ou vontades de xinguilar.
Embora tenhamos a nossa opinião, não pretendemos estabelecer juízos de valor sobre a poesia de A. Neto, porque achamos, em nome da simples honestidade intelectual que a referida entrevista, não dá qualquer motivo para esticar uma discussão neste sentido.
O que encontramos de mais grave e quiçá preocupante neste debate, é a transgressão operada pelo professor da UNIA, Dr. João Pinto, no seu artigo “Literatura Identidade e Politica”, publicado no JÁ, a 6/4/08, onde, em forma de introdução, escreve:
“Xingar o Kilamba faz Xinguilar”, “Kidi Kidi, Kididi Kididi”.
O professor começa por esta bonita marcação de identidade cultural (linguística) pese embora o sincretismo da primeira expressão, onde a força da rima clássica, portanto exógena, é conseguida através da apropriação gramatical da conjugação portuguesa. Não é pecado. A interface cultural produz estes empréstimos ou apropriações em todo legitimas de ambas as partes, angolana e portuguesa.
Mas é exactamente por esta primeira afirmação: Xingar o Kilamba faz Xinguilar que queremos começar, na sincera esperança de poder acalmar o xinguilamento do Professor. Elegemos esta expressão porque achamos que é sobre ela que assenta toda a estrutura profunda da reacção do Professor, objectivada no texto.
O nosso Professor começa logo por uma evasão do terreno da apreciação literária para um referencial ético-moral, transformando assim a afirmação do escritor Agualusa, numa ofensa pessoal ( ele Xingou o Kilamba ). Não achamos intelectualmente honesto nem eticamente justo, esta forma de transferir (intencionalmente?), as questões, de um terreno para outro e principalmente quando este outro é muito movediço.
“Kidi Kidi, Kididi Kididi – A Verdade e o Espaço não se confundem”. Podemos até estar, em parte, de acordo com esta interpretação, mas, a Verdade só pode ser concreta, quando inserida num determinado referencial ( lugar, espaço, enquadramento ), se não cuidamos desta relação, podemos transformar injustamente, Tudo, em maldade, ofensa (xingadela), crime, em suma, naquilo que o nosso estado de espírito ou interesse o quiser. Certamente que a verdade não depende muito de nós (nossa vontade), humanos e mortais, ela tem esta relação necessária de temporalidade e “espacialidade”que o próprio Professor mais tarde o reconhece.
Mas continuemos a leitura do texto para percebermos melhor alguns dos problemas (makas) do professor.
Xinguilar. Aqui o professor deriva para o terreno do comportamento psico-afectivo, e embora respeitemos a sua incursão para o mundo da Antropologia, citando Virgílio Coelho, não seria mau de todo, que consultasse a opinião de psicólogos e psiquiatras para aprofundar outra nuance importante que Xinguilar pode encerrar.
È bom e recomendável que qualquer debate, que se pretende sério e profundo, não caia no xinguilamento, sob pena de termos de parar, para refrescar a cabeça dos xinguilantes ou arranjar um colete de forças para impedir que a frequente agitação que acompanha o xinguilamento se converta em autoflagelação, desturição ou mesmo agressão contra outros.
Os Makota quando sentados para discutir as Maka, fazem-no com sublimidade e alto sentido de responsabilidade. Embora não deixe de haver espaço para a emotividade inteligente, há sempre a prevalência da racionalidade.
Passamos a perceber melhor a vontade de xinguilar do Prof. João Pinto, quando escreve que A. Neto é Kilamba, Kituta, Kiximbi transformando-o em divindade aquática. Aqui passa para o terreno da religiosidade e da mística, para continuar a debater o problema. Alguns críticos literários terão abordado a poesia de Neto como tendo mensagem profética, mas certamente, que está muito longe da sua transformação em divindade com poderes sobre-humanos.
Respeitamos inteiramente as crenças do prof. João Pinto, mas achamos que não deve derramá-las sobre todos nós. Aconselhamos também que não vá ao extremo de entrar em xinguilamentos quando tem de enfrentar opiniões menos favoráveis sobre as suas divindades, porque a experiência do último ano tem trazido a luz do dia, várias opiniões e estudos pouco abonatórios para muitos símbolos que existiram no imaginário de boa gente (é só ler os livros que têm saído sobre algumas verdades de Angola). Por outro lado, as posições extremas em defesa de divindades, podem provocar comportamentos pouco desejáveis para a cidade e civilidade, principalmente em plena fase de preparação de eleições.
Mas o professor continua. Numa fase de autentica contradição com ele mesmo, reconhece que pode e deve haver “gostos estéticos diferentes”, que não deve haver “prejuízo da crítica objectiva resultante do pluralismo, liberdade e responsabilidade”. Mas, cuidado! acima de tudo deve haver “respeito, veneração, solenidade”, “temor reverencial” aos heróis e escritores.
O nosso professor, embora reconheça, nesta fase, alguns dos direitos basilares da Democracia e do Estado de Direito, as opiniões dos cidadãos deverão ficar no oculto da reverência divinal, não devendo ser expressas publicamente. Deve haver solidariedade para com os heróis, porque de outra forma passam imediatamente a ser ofensa (xingar), e mais grave ainda, serem ofensas pecaminosas porque atentam contra as divindades.
Ficamos temerosos quando constatamos que o professor quase nos leva a um xinguilamento delirante colectivo, quando chama para este debate alguns dos ditames do colonialismo, retomando o regulamento do imposto do indígena e da qualificação racista que se fazia no período colonial sobre muita gente. Não vamos continuar nesta senda, porque parece-nos que esta deriva passa a não ser muito agradável para o debate.
Para corolário de toda esta dissertação, chegamos ao que seria previsível: o nosso professor partiu da “ofensa” de Agualusa para o pecado e, finalmente, fecha o ciclo com a criminalização da opinião, evocando a lei em detrimento do direito inalienável de opinião para pedir julgamento e condenação. Não queremos acreditar que isto seja verdade!
Sabemos que a FRENTE, a FpD, tem uma proposta de código de conduta social, que serviria de pauta reguladora para a coexistência saudável entre nós. Pedimos que aí seja inscrito o princípio seguinte: “Não vale Xinguilar, quem xinguilar perde a razão”.
(PAULO MULEMBA , Mestre em Estudos Africanos)
Bom, aqui vão então alguns comentários avulsos e breves sobre aquilo por mim considerado "um sem chão da nossa condição imberber", aliás reavivada, de certa forma, neste artigo:
ResponderEliminarFoi também com algum desassossego que vi reacções à uma opinião (dita polémica) ocupar tanto espaço-tempo no imaginário do nosso debate público.
É razoavelmente patológico e alienante ocupar um espaço público (que já não é assim tão existente/presente) para dicutir "as cores e os gostos" de um cidadão que, no execício do seu direito de opinião, expimiu-la em tão despreocupada arrogância. É claro que a minha opinião discorda da do cidadão J. E. Agualusa. E, certamente, a do jurista J. Pinto também, porque, aliás, também temos esse direito. Porém, penso que foi (ou ainda é!) gratuita a ecatombe produzida à volta de uma simples opinião que não revela nada de extraordinário num país onde há muitas lavras por capinar e muitas escolas por construir. Isso indicia bem (e aqui acho o articulista) a condição de um país onde os campus estão sem fronteiras, ou seja, onde se toma o literário pelo político.
O xinguilamento reside no facto de se descorrer sobre uma opinião impacível de debate, ou seja, que não revela qualquer coisa de apreciação crítica tanto da obra poética de Agostinho Neto, como da de António Cardoso e António Jacinto.(E sobre isso há uma bibliografia cítica vasta que, se calhar, seria aconcelhável ler).
Portanto, não só o "discurso do direito" (fadado de incapacidade argumentativa dialógica), produzido pelo jurista J. Pinto, como quase todos os outros revelam reacções que tematizam bem as nossas actuais limitações não só para lidarmos com um espaço público de discusão contraditória (se fosse esse o caso), mas também para a produção de debates mais sérios e com maior clarividência.
A propósito, já pensamos se haveria a mesma reacção (por parte da intelligentsia oficial) se invés da poesia de Neto estivesse em causa a de da Cruz! Simplesmente que não, porque Viriato da Cruz (o homem/animal político e não o animal poético) não representa nada para o discurso oficial. Ora, é tempo de enterrar de vez aquilo que já está a muito morto: o "mono".
Em minha opinião, está claro que Agualusa (olhando para o corpo integral da entrevista) teve uma opinião lógicamente insustentável, pretendendo comparar o repertório mundial, sem nos dizer de quando, com a criação de Neto, Cardoso e Jacinto que respondem, para além da dimensão estética, a um determinado espaço-tempo. (Isso sim é que é mediocridade!). Porém os escritores e as suas obras não são propriedade de ninguém. Já é tempo de discutirmos o cânone. Esse sim merece discussão e não xinguilamentos.
Disse!